Por Thiago Mattos (Mestre em Relações Internacionais pela UERJ e em Políticas Públicas pelo Korean Development Institute) e Maurício Santoro (Doutor em Ciência Política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro e professor-adjunto do Departamento de Relações Internacionais da UERJ)
Em 2019, 41,5% das exportações brasileiras foram para a Ásia, notadamente a China. Com a pandemia do coronavírus, as perspectivas são de que esse percentual deve aumentar neste ano, em razão da recessão prevista para os Estados Unidos e a União Europeia. De fato, nos três primeiros meses de 2020, 45% das vendas externas do Brasil foram para mercados asiáticos. O país precisa se preparar para o cenário iminente em que o continente asiático será o destino da maioria das exportações dos produtos brasileiros, a exemplo do que já ocorre com o agronegócio.
Se essa conjuntura se concretizar, será a primeira vez na história do Brasil em que a Ásia terá tal destaque na inserção internacional do país. Essa guinada faz parte de mudanças estruturais de longa duração na ordem global, como o retorno daquele continente à proeminência internacional da qual havia desfrutado até a Revolução Industrial. A soma dos PIBs dos países asiáticos, calculada em paridade do poder de compra, está em vias de se tornar maior do que a do resto do mundo combinado. Por isso, muitos autores falam do “século asiático” ou que“o futuro é asiático”.
Este artigo traçará o mapa do comércio exterior brasileiro para os mercados asiáticos, identificando parceiros e produtos, revisando brevemente nossa relação política com os principais mercados, assim como os parceiros mais tradicionais (Japão e China), analisando as tendências a partir da década de 2000 (Índia e Coreia do Sul) e ressaltando os mercados potenciais a serem explorados (Sudeste Asiático). Esses países e blocos reúnem cerca de 95% do comércio brasileiro com a Ásia.
O texto se encerra com recomendações para governos e empresas brasileiras de modo a aproveitarem as oportunidades que o crescimento da Ásia oferece. Mas, para isso será necessário suprir uma série de lacunas relativas à falta de conhecimento a respeito do continente e formar profissionais especializados nos principais mercados asiáticos.
Este artigo segue o padrão das autoridades de comércio exterior do Ministério da Economia do Brasil, que excluem dos dados sobre a Ásia os países do Oriente Médio (Ásia Ocidental), porque a prevalência do petróleo nestes países muda completamente os padrões comerciais.
As Tabelas 1 e 2 sintetizam dados sobre o comércio exterior brasileiro para a Ásia. Escolhemos três momentos dos últimos 20 anos para mostrar a evolução do intercâmbio comercial do Brasil com o continente. O primeiro é o ano de 2000, para ilustrar o nível ainda frágil dessas trocas no início do século XXI. O segundo é 2008, quando da eclosão da crise financeira global. E, por fim 2019, para os dados mais recentes. As mudanças ao longo dos anos deixam claro a importância crescente da região para os brasileiros.
Os dados estão separados pelos cinco países e blocos examinados neste artigo: China, Japão, Coreia do Sul, Índia e as dez nações que formam a Associação das Nações do Sudeste Asiático (Asean).
CHINA
A principal característica do comércio exterior do Brasil com a Ásia no século XXI é a ascensão da China e sua consolidação como principal parceira comercial a partir de 2009. Atualmente o mercado chinês representa cerca de dois terços de todo o intercâmbio comercial brasileiro com os países asiáticos. Esse rápido crescimento tem sua razão na expansão econômica acelerada chinesa e em sua demanda global por matérias-primas, alimentos e combustíveis. Tais fatores impulsionaram a escalada de seu comércio com a América Latina e a África. A partir da década de 2000 os chineses se estabeleceram entre os três maiores destinos das exportações dos países do continente.
As exportações brasileiras para a China estão concentradas em três grandes grupos de commodities: soja (32%), petróleo (24%) e minério de ferro (21%), nos percentuais de 2019. As importações se distribuem por ampla gama de produtos industriais, de telecomunicações (12%), eletrônicos (6,2%), plataformas (6%).
O Brasil tem superávits comerciais com os chineses, mas a assimetria nos termos de troca com frequência provoca preocupações nos líderes políticos brasileiros e ocasionalmente leva a demandas protecionistas por parte da indústria, sobretudo de setores sensíveis como têxteis e brinquedos.
Embora Brasil e China tenham estabelecido uma “parceria estratégica” em 1993, essa agenda esteve muito mais baseada em posições conjuntas em organizações multilaterais e projetos de cooperação de alto impacto, como o programa bilateral de construção de satélites CBERS. Brasil e China viam a si mesmos como aliados em fóruns multilaterais, defendendo posições de países em desenvolvimento frente às nações ricas.
No século XXI a parceria estratégica se aprofundou, com Brasil e China tornando-se sócios em diversas iniciativas diplomáticas de grande impacto: BRICS, os G-20 financeiro e na Organização Mundial do Comércio, BASIC nas negociações climáticas. No âmbito dos BRICS, foi criado o Novo Banco de Desenvolvimento e o Brasil também passou a integrar o Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura.
Contudo, o crescimento do comércio bilateral não atendeu ao planejamento dos dois governos, tendo sido muito mais uma decisão dos empresários chineses em busca de commodities que suprissem as suas necessidades em rápida expansão. O ex-embaixador do Brasil em Pequim, Luiz Augusto Castro Neves, gosta de citar uma frase de seu homólogo chinês: “Não são os brasileiros que vendem para os chineses. São os chineses que compram dos brasileiros.” Analistas com frequência questionam a falta de uma “grande estratégia” do Brasil para melhor aproveitar a ascensão chinesa.
Também é um desdobramento relevante na relação bilateral o crescimento do investimento chinês no Brasil ao longo da década de 2010, alcançando estoque de capital de cerca de US$60 bilhões. Inicialmente esse fluxo de recursos financeiros foi destinado às áreas de agricultura, energia e mineração. Em um segundo momento, os investimentos passaram a focar outras oportunidades, como atender ao mercado consumidor brasileiro.
Há um contraste negativo entre a grande importância econômica que a China representa para o Brasil e a falta de conhecimento que os brasileiros têm do seu principal parceiro comercial, mesmo em círculos especializados como universidades e imprensa. No âmbito governamental, a lacuna em termos de informações com frequência significa a falta de uma visão de longo prazo sobre como lidar com a China. Os chineses sabem o que querem do Brasil, o oposto não é necessariamente verdade. Isso faz com que as atitudes brasileiras no comércio sejam majoritariamente reativas às propostas chinesas.
O exemplo mais recente desse descompasso é a falta de debate mais significativo no Brasil sobre como o país pode se beneficiar da Iniciativa do Cinturão e da Rota, projeto global lançado pela China de investimentos em infraestrutura. O governo brasileiro não demonstrou interesse em se juntar ao empreendimento, ao contrário do que fizeram 19 outros países da América Latina, preferindo tentar atrair os recursos financeiros chineses por meio do Programa de Parcerias em Investimentos. Há também escassez de debates acerca de como os bancos de desenvolvimento dos quais Brasil e China são parceiros poderiam estimular o comércio exterior brasileiro. A recente abertura de um escritório do Banco dos BRICS em São Paulo é uma oportunidade importante para mudar esse quadro.
Outra lacuna é a falta de consulados brasileiros nas cidades do interior da China, cujo desenvolvimento econômico nos últimos anos tem sido bastante expressivo. Esforços mais coordenados de promoção comercial do Brasil nessas regiões poderiam trazer resultados promissores para as empresas do país.
Contudo, mesmo sem fazer parte da Iniciativa, o Brasil pode se beneficiar por meio das oportunidades que ela criará ao tornar regiões como o Sudeste Asiático mais conectadas e melhor integradas à economia global (ver mais sobre isso na seção Sudeste Asiático).
JAPÃO
Nas relações internacionais brasileiras e em nosso inconsciente coletivo, o Japão se destaca principalmente como a fonte da quarta maior colônia de imigrantes do Brasil. Os japoneses chegaram ao Brasil no início do século XX para trabalhar nas plantações de café, uma vez que após a Guerra Russo-Japonesa de 1904 -1905 as áreas rurais do Japão enfrentaram um grave momento de depressão e esvaziamento. No Brasil, a essa época, o ciclo do café estava em plena expansão, de modo que a jovem república passou a incentivar a imigração para preencher a escassez de mão de obra em São Paulo.
Após a Primeira Guerra Mundial, o governo japonês aumentou seu interesse em encontrar lares no exterior para sua “população excedente”, mas os Estados Unidos e a maioria dos países vitoriosos do conflito relutavam em receber tais imigrantes. Depois que a Lei de Exclusão dos Estados Unidos, a única legislação estadunidense até o presente a banir migração explicitamente por base étnica, foi aprovada em 1924, o Brasil tornou-se praticamente a única alternativa viável a aceitar grupos de japoneses. O resto, é história – muito já foi escrito sobre a jornada dos nipo-brasileiros e sua penosa estrada na formação de nossa identidade nacional sob uma perspectiva sociológica e histórica.
Menos, talvez, tenha sido escrito sobre como as comunidades nipo-brasileiras desde então vêm desempenhando um papel crucial na consolidação dos laços comerciais e de investimentos entre os dois países, especialmente na década de 1970. O boom da presença comercial japonesa no país, tem ajudado a estimular o interesse dos governos, de empresas estatais e empresas do setor privado – especialmente no sentido favorável da balança comercial do Brasil (Arai e Okamoto, 2013). Prova disso é que mesmo com maciça importação de manufaturados industriais e eletrônicos japoneses, tais como autopeças (12% das importações em 2019), automóveis (5,6%) e equipamentos náuticos (5,3%), o Brasil repetidamente alcançou superávits expressivos com o país por décadas.
Além disso, de acordo com dados da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e da JETRO (a Organização de Comércio Exterior do Japão), mais de 700 empresas japonesas possuem investimentos no Brasil, tendo mais de 400 fábricas estabelecidas no país. Desse modo, o Japão se consolidou como um dos principais investidores no Brasil, a sexta maior fonte de IED em termos de participação de capital por pelo menos vinte anos, segundo dados do Banco Central, oscilando entre 3% e 5% de todo o investimento externo no país.
Por outro lado, é certo que os laços comerciais entre Brasil e Japão sofreram (e sofrem) turbulências e atualmente não refletem a pujança alcançada em épocas anteriores. Um divisor de águas foi a crise da Ásia de 1997, que testou a força da economia japonesa e levou o país a diversificar seus laços comerciais, especialmente fora de seu próprio continente, por meio de acordos preferenciais. Hoje, o Brasil tem ficado para trás como principal origem das importações e exportações japonesas na América Latina. Em alguns semestres, e por vezes anos inteiros, perdeu o posto para países como Chile e México, que têm ativamente desenvolvido plataformas para o comércio nipônico, tais como a assinatura de acordos de livre comércio em 2007 e 2012, respectivamente. Apesar de a administração atual e as recentes terem expressado o desejo da realização de um tratado semelhante ao do Japão com o Mercosul, e diálogos preliminares sobre o assunto terem sido estabelecidos, as negociações não se consolidaram – mesmo com o apoio pouco usual da indústria nacional brasileira, 86% de aprovação segundo levantamento da CNI em 2016. Enquanto isso, o volume de comércio, e principalmente de investimento externo entre Brasil e Japão, testemunha quedas sucessivas desde 2011, pico da relação comercial com o país até o momento.
Ainda assim, alguns aspectos econômicos mantêm o protagonismo. É inegável, por exemplo, o papel do Japão para o nosso agronegócio. O Japão permanece como quarto maior mercado dos produtos do agronegócio brasileiro, atrás somente de China, Estados Unidos e União Europeia. No ano de 2019, por exemplo, 50% de nossas exportações para o Japão (que naquele ano somaram 5,4 bilhões de dólares) partiram do setor, tendo como principais produtos o milho (20,6% de todas as nossas exportações para o país), a carne de frango (14, 9%) e o café (6,3%). No ápice das exportações ao país, em 2011, que totalizaram 9,4 bilhões de dólares, os produtos do agronegócio já representavam 30% dos produtos brasileiros que desembarcaram no país, evidenciando não apenas sua estabilidade no mercado japonês mas também a volatilidade das exportações de minério de ferro, que naquele ano representaram 47% de nossas vendas para o Japão.
Contudo, dadas as características do mercado nipônico, a relação privilegiada dos brasileiros com o país e diversos outros fatores estruturais, analistas do setor agropecuário apontam que uma melhor inserção dos produtos brasileiros ainda seria possível.
O Japão possui menor capacidade de competir no comércio agrícola internacional, o que fica claro pela razão importações/exportações do país nesses bens — as exportações de produtos agrícolas japoneses ao Brasil, por exemplo, não somaram 1% de seu montante em 2019. Para os analistas, trata-se de mercado que vale a pena ser disputado, em particular nos casos de produtos com acesso fechado ou restrito em virtude da existência de acordos de regulação sanitária ou fitossanitária, tais como o da carne de boi, que assim como o mercado sul-coreano, não foi aberto para a exportação brasileira.
Para além disso, é possível interpretar que as relações comerciais entre Brasil e Japão vivem um momento de relativa apatia, situação que não é inédita ou definitiva, como nosso passado já mostrou (Torres, 1993). Parte deste momento pode ser, de fato, atribuído ao crescente cenário de crise econômica do Japão nos últimos anos e sua potencial dramatização em face da crise do coronavírus, com provável quadro de recessão. No entanto, também pesam a subutilização de nossos laços com o país tanto pela esfera privada quanto pela pública. Mesmo que esta última possua notória estima política das duas últimas administrações, haja vista as repetidas visitas de Estado e frequentes elogios, pouco foi efetivamente realizado para o desenvolvimento desta seara, especialmente no que concerne ao transbordamento das exportações brasileiras ao país para além dos commodities. Aprendemos menos com os mais de 100 anos de história do que poderíamos ter aprendido.
ÍNDIA
Até o século XXI, as relações comerciais entre Brasil e Índia eram pouco expressivas. Os dois países mantiveram por muitas décadas cooperação significativa nos fóruns multilaterais, mas a semelhança de suas posições na Organização das Nações Unidas não representou abertura para maior intercâmbio econômico. Isso só começou a mudar a partir da década de 1990, quando ambos os países iniciaram um ciclo de reformas liberalizantes, trocando modelos baseados no protecionismo doméstico pela busca de maior inserção na economia global.
A Índia se estabeleceu como um polo internacional de serviços, em particular tecnologia da informação, e despontou como um dos mercados emergentes mais atraentes da década de 2000, sendo com frequência comparada à China pelo seu dinamismo e pelo gigantismo de sua população e território. Na relação bilateral com o Brasil, esse período foi acompanhado de participação conjunta em uma série de iniciativas diplomáticas de impacto: a criação dos BRICS e do Fórum IBAS, dos dois G-20 (financeiro e na Organização Mundial do Comércio) e do grupo BASIC nas negociações sobre mudança climática. As visitas de alto nível de presidentes e primeiros-ministros se tornaram frequentes.
Desta vez, os entendimentos diplomáticos foram acompanhados pelo incremento no comércio. Em 2009, Índia e Mercosul assinaram acordo de preferências tarifárias. Embora ele não seja particularmente abrangente — são cerca de 450 produtos por cada parte — é um marco expressivo do desejo mútuo de liberalização. E tem servido como base para negociações posteriores.
Em 2005, pela primeira vez as exportações brasileiras para a Índia ultrapassaram US$ 1 bilhão por ano. Em 2012 chegaram ao pico de US$ 5,5 bilhões e ao longo da década de 2010 estiveram entre US$ 3 bilhões e US$ 4,6 bilhões anuais. Os brasileiros venderam aos indianos sobretudo petróleo (mais de 50% do total), ouro e açúcar.
As exportações da Índia para o Brasil seguiram trajetória semelhante, ultrapassando a marca de US$ 1 bilhão por ano em 2005 e oscilando na década de 2010 em geral na faixa entre US$ 4 bilhões e US$ 6 bilhões. Em 2019 a Índia foi a sétima maior exportadora para o Brasil, com os brasileiros comprando dos indianos gasolina, produtos químicos orgânicos, máquinas e aparelhos mecânicos, têxteis sintéticos, farmacêuticos e máquinas e aparelhos elétricos.
Com o fluxo de comércio bilateral em torno de US$ 7 bilhões por ano, a Índia é apenas o quarto maior parceiro comercial do Brasil na Ásia, atrás de China, Coreia do Sul e Japão. É um desempenho decepcionante dado o dinamismo da economia indiana, uma das que mais cresce no mundo. Por conta disso, a ampliação dos laços econômicos tem sido um elemento importante nas negociações entre Brasília e Nova Délhi.
Um exemplo disso foram os acordos assinados durante a visita do presidente Jair Bolsonaro à Índia, em janeiro de 2020. Eles se concentram no agronegócio, visando à abertura de nichos específicos do mercado indiano (como etanol e gergelim) e em parcerias na defesa.Os entendimentos políticos são fundamentais pelas dificuldades de acesso a vários setores na Índia que, apesar da abertura iniciada na década de 1990, ainda mantém um nível de protecionismo elevado na agricultura. O Brasil inclusive a questiona na Organização Mundial do Comércio por conta de subsídios ao açúcar.
Tal como no caso da China, há um enorme desconhecimento no Brasil sobre a Índia, que dificulta o mapeamento de oportunidades econômicas no país. Há também uma tendência errônea entre governo e empresas em considerar a nação asiática como “uma segunda China”. Embora haja semelhanças entre os dois Estados de dimensões continentais e culturas milenares, a trajetória de desenvolvimento indiana é bastante diversa da chinesa, bem como as possibilidades que ela abre para os negócios dos brasileiros e os desafios de acesso a seu mercado.
É crucial frisar também a diferença do regime político. A democracia na Índia se caracteriza por grande fragmentação do sistema partidário, com dezenas de partidos e atores nacionais ou regionais importantes como sindicatos, associações comerciais, organizações religiosas. O Brasil precisa conhecer em detalhes esse emaranhado de interesses e aprender a jogar com suas contradições de modo a obter melhores ganhos.
COREIA DO SUL
As relações diplomáticas entre o Brasil e a Coreia do Sul foram estabelecidas em outubro de 1959 — o Brasil foi o oitavo país do mundo e o primeiro latino-americano a proceder ao reconhecimento oficial da Coreia do Sul após a guerra que fragmentou a península coreana em dois Estados independentes. A embaixada brasileira em Seul foi instalada em 1965. A primeira embaixada sul-coreana na América Latina foi aberta no Rio de Janeiro, em 1962.10 Apesar desta presença política pioneira do Brasil na península coreana, o mesmo não necessariamente se refletiu nas relações comerciais com país. Embora a Coreia do Sul seja o terceiro maior parceiro comercial brasileiro na Ásia, o volume, valor e variedade das exportações nacionais para o país são tímidos, ainda mais se compararmos com Japão e China, parceiros mais tradicionais do Brasil na Ásia.
Alguns fatores históricos e conjunturais explicam este fenômeno. Se a disparidade com a importação chinesa se dá quase por óbvio, dada as proporções do gigante de consumo que o país se transformou nas últimas décadas, mais detalhes cabem na comparação com o Japão. Diferentemente do que acontece na relação nipo-brasileira, o comércio entre o Brasil e a Coreia não conta com um grande contingente migratório que auxilie na abertura de mercados. Enquanto a população brasileira no Japão já atingiu a marca de 317 mil pessoas no ano de 2007, a Coreia do Sul possui um número de residentes brasileiros que orbita na casa dos mil indivíduos desde o ano de 2011, números que indicam dados migratórios e que parecem ter sido alcançados mais por um aumento no interesse brasileiro em oportunidades de estudo favorecidas por ambos os governos (como o programa Ciências sem fronteiras e o vigente Korean Government Scholarship Program, o KGSP), do que por uma migração de regresso ou de busca por mão de obra braçal como no caso japonês. O número de coreanos vivendo no Brasil, por outro lado, é significativamente mais expressivo, em torno de 50 mil, segundo os levantamentos mais recentes, em grande parte potencializado pelos projetos industriais e de infraestrutura capitaneados por empresas sul-coreanas no país. Dito isto, mesmo este montante não é comparável aos 1,5 milhão de nikkeis que atualmente residem no Brasil, a maior população do tipo fora do Japão.
Outra condicionalidade histórica, talvez um tanto surpreendente, que pode ter dificultado de forma direta ou indireta uma maior permeabilidade dos produtos brasileiros na Coreia do Sul foi a não participação efetiva do país na Guerra da Coreia. Na década de 1950, Getúlio Vargas chegou a expressar apoio à causa sul-coreana, mas não destinou quaisquer recursos ao conflito, em episódio largamente abordado por pesquisadores brasileiros das relações internacionais. O imaginário histórico e político de fraternidade com as nações que apoiaram seu lado do conflito foi mantido vivo por décadas na Coreia do Sul, fato de extrema importância se pensarmos que antes deste, o país esteve ou impedido de manter relações exteriores pelo Japão colonial ou governado por monarquias reclusas, sendo denominados por alguns historiadores “reino ermitão”.
Nos primeiros anos da redemocratização coreana (1988) e da admissão simultânea de ambas as Coreias às Nações Unidas em 1991, tornou-se evidente o tratamento diferenciado que o país prestou em sua diplomacia, e até por alguns tomadores de decisão no setor privado, para com os países que enviaram tropas para o conflito. Indicativo disto é que o mapa dos participantes do conflito e o dos signatários de acordos de livre comércio com a Coreia do Sul praticamente se confundem — dos 23 países que enviaram contingentes militares para a guerra, apenas dois (África do Sul e Etiópia) não assinaram tratado do tipo com o país até o momento. Colômbia foi o único latino-americano a participar do conflito e é signatário de um tratado com Coreia desde 2015, alcançando na última década cifras de exportação que chegam ao dobro daquelas do Brasil.
Apesar destas “desvantagens” comparativas e da consequente relativa falta de desenvolvimento de nossas exportações no país, a importância econômica da Coreia do Sul para a economia brasileira está longe de ser inexpressiva. De fato, o histórico recente das relações entre o Brasil e a Coreia do Sul distingue-se, sobretudo, pela ampliação dos investimentos sul-coreanos no Brasil e pelo crescimento dos fluxos bilaterais de comércio. Além disso, há grande potencial de cooperação em setores de alta tecnologia, como semicondutores, tecnologias da informação e das comunicações, biotecnologia, energias renováveis, setor aeroespacial e nanotecnologia.
Neste sentido, já há alguns anos, a Coreia do Sul tem permanecido entre os dez principais parceiros comerciais do Brasil no mundo. Atualmente, o Brasil é o segundo maior parceiro comercial da Coreia do Sul na América Latina, atrás apenas do México. É notável, contudo, o quanto a balança comercial nessa relação tende para o lado sul-coreano, algo praticamente inédito para o Brasil entre os mercados asiáticos. O Brasil tem com a Coreia o seu segundo maior déficit comercial no mundo, atrás apenas da Alemanha, negligenciando-se o impacto do dito “efeito Rotterdam”.
Um dos motivos evidentes desse déficit, além do alto consumo brasileiro de produtos tecnológicos sul-coreanos de alto valor agregado, é a característica agressivamente exportadora desenvolvida pela economia da Coreia do Sul desde os anos 1970, que envolvem estratégias multiníveis complexas como o trabalho realizado pela KOTRA (a agência coreana de exportação), que chega a ter mais escritórios de inteligência e apoio ao exportador espalhados pelo mundo do que a Coreia possui embaixadas e consulados. Em contrapartida, a Coreia importa do Brasil sobretudo commodities e a única organização potencialmente homóloga à KOTRA, a Apex-Brasil, possui escritórios asiáticos apenas na China. Por fim, a proximidade política sul-coreana com os americanos dificulta a expansão dos concorrentes brasileiros em seu mercado.
De janeiro a março de 2020, o Brasil exportou US$ 843 milhões para a Coreia do Sul, aumento de 19% em relação aos US$ 705 milhões de 2019. O resultado é especialmente significativo considerando que as exportações brasileiras para o mundo sofreram queda de 3,3% no período, em reação direta ou indireta dos efeitos do coronavírus. Somente o mês de março foi responsável por mais de 50% das vendas brasileiras no período (US$ 441 milhões). Como de habitual, os principais produtos vendidos pelo Brasil de janeiro a março deste ano foram commodities tais como minérios de ferro, resíduos sólidos da extração do óleo de soja, ferro-ligas, álcool etílico não desnaturado e carnes (exclusivamente de porco e frango, haja vista que o comércio de carne bovina brasileira ao país ainda não foi permitido). Em sua totalidade, estes somaram 75% da exportação brasileira para a Coreia do Sul. As importações brasileiras de produtos coreanos, por sua vez, mantiveram tendência de queda.
De janeiro a março, o Brasil importou US$ 962 milhões da Coreia do Sul, redução de 16% em relação ao US$ 1,146 bilhão do mesmo período de 2019. Foi o menor resultado registrado desde 2016, potencialmente sinalizando queda do poder de compra brasileiro. Os principais produtos exportados pela Coreia, seguindo a mesma habitualidade, foram circuitos integrados e microconjuntos eletrônicos, partes e acessórios de veículos, motores e, potencializados pela crise da Covid-19, produtos médicos.
Em 2019, as exportações brasileiras para a Coreia do Sul totalizaram US$ 3,426 bilhões. O valor foi marginalmente inferior a 2018, quando as exportações brasileiras atingiram US$ 3,439 bilhões. No entanto, se considerado o número total de exportações do ano, US$ 225,3 bilhões contra US$ 239.2 bilhões de 2018, o resultado obtido no comércio com a Coreia do Sul posicionou o país em décimo lugar entre os principais destinos das exportações brasileiras, ou seja, três posições acima daquela ocupada no mesmo ranking no ano anterior. Essa foi a primeira vez, desde 2013, que a Coreia despontou entre as dez primeiras posições nesta listagem.
O país também se consolidou como o terceiro principal destino das exportações brasileiras na Ásia, atrás somente de China e Japão, tendo, em 2019, ultrapassado a Índia e Singapura. Análise do ano como um todo expõe crescimento expressivo das exportações de cereais (US$ 583 milhões em 2019 frente a US$ 198 milhões em 2018) e combustíveis e óleos minerais (US$ 66 milhões frente a US$ 5 milhões). Grande destaque pode ser conferido também às exportações de carnes, que atingiram seu melhor ano na história, com um total de US$ 230 milhões, graças, em boa medida, à liberação do acesso da carne suína de Santa Catarina ao mercado coreano a partir de meados 2018.
Por sua vez, as importações brasileiras de produtos sul-coreanos apresentaram, em 2019, queda significativa, atingindo US$ 4,7 bilhões, o menor valor desde 2007 (US$ 3,39 bilhões). Trata-se de redução de 13% em comparação a 2018 (quando as exportações coreanas para o Brasil chegaram a US$ 5,3 bilhões). Houve expressiva queda das exportações coreanas de máquinas e equipamentos eletrônicos (de US$ 2,41 bilhões em 2018 para US$ 1,84 bilhão em 2019) e de veículos e partes de veículos (de US$ 723 milhões para US$ 529 milhões).
A queda das importações de produtos coreanos foram, assim, as principais responsáveis pelo nível mais baixo registrado no comércio bilateral desde 2009 (US$ 7,47 bilhões). O volume total do intercâmbio bilateral em 2019 foi de US$ 8,13 bilhões, redução de 8% em comparação com os US$ 8,81 bilhões de 2018. A redução das exportações coreanas levou, ainda, a diminuição considerável do déficit comercial que o Brasil historicamente mantém com este país. Em 2019, o déficit caiu para US$ 1,27 bilhão. Embora ainda significativa, a cifra é a menor desde 2008 (ano em que foi registrado déficit de US$ 2,3 bilhão) e confirma, pelo quarto ano consecutivo, tendência de queda no déficit brasileiro com a Coreia do Sul. Em 2019, pela primeira vez em quinze anos, o déficit brasileiro correspondeu a menos de 20% do volume do intercâmbio bilateral (15%).
Um possível e aguardado ponto de inflexão para as relações Brasil e Coreia do Sul é a assinatura do tratado de livre comércio entre o Mercosul e o país asiático, cujas negociações estão em curso desde 2018, tendo sido realizada em fevereiro de 2020 sua quinta rodada de negociações. A Coreia do Sul é um país pioneiro em liderança no tocante aos acordos do tipo: 58 países já se beneficiam de isenções de impostos no comércio com Seul e o país prevê a celebração de mais 12 acordos até 2022. No entanto, a relutância da Argentina em prosseguir com as negociações, haja vista seu momento de maior protecionismo, e uma relutância de nossa indústria nacional, sugere um maior arrastamento do acordo.
SUDESTE ASIÁTICO
O Sudeste Asiático é hoje uma das regiões mais dinâmicas da economia global, com excelentes perspectivas de crescimento. Esse novo cenário internacional tem tornado os dez países que compõem a Asean cada vez mais importantes para o comércio exterior brasileiro, com um fluxo comercial que alcançou US$19 bilhões em 2019.
É a primeira vez que o Brasil tem intercâmbio comercial significativo com a região. Após a descolonização em meados do século XX, o Sudeste Asiático foi marcado pelas guerras do Vietnã e do Camboja, com suas fortes consequências para os países vizinhos em termos de problemas de segurança e refugiados. Contudo, no fim da década de 1970 a região estava pacificada e o extraordinário desenvolvimento de Singapura impactou de modo positivo para toda a área, que também se beneficiou da era da reforma iniciada na China no período de Deng Xiaoping.
A Asean é uma história de sucesso em termos de integração regional frequentemente subestimada com relação ao que conseguiu alcançar na promoção da paz e do desenvolvimento econômico. Seus feitos são impressionantes, pois o Sudeste Asiático é uma das regiões mais diversas do planeta, o ponto de encontro de grandes tradições culturais (China, Índia), religiões (budismo, islã, cristianismo) e de regimes autoritários e democráticos. Há também uma grande discrepância entre o nível de renda de seus integrantes, oscilando da pobreza do Camboja e Myanmar à riqueza de Singapura, com Malásia e Tailândia em ascensão.
O Sudeste Asiático é um dos principais corredores estratégicos do projeto chinês de investimentos em infraestrutura global, a Nova Rota da Seda. Os planos da China de construir ferrovias, estradas, usinas de geração de energia e outras grandes iniciativas irão integrar melhor os países da Asean aos mercados globais, tornando mais fácil, rápido e barato o comércio com essas nações. Trata-se de um bloco com cerca de 650 milhões de habitantes e alto crescimento econômico, de grande potencial.
Em 2019 o Brasil exportou US$ 11,8 bilhões para a Asean, concentrados em minério de ferro (19%), petróleo e óleos brutos (17,4%) produtos do complexo soja (17,2%), milho (8,1%) e algodão (7,5%). O maior parceiro brasileiro na região foi Singapura, que recebeu 38% das exportações, seguida da Malásia (19%), Tailândia (14%), Indonesia (13%), Vietnã (11%) e Filipinas (6,5%).
As importações brasileiras da Asean totalizaram US$ 7,6 bilhões em 2019, concentradas em produtos e equipamentos ligados a telecomunicações (32%), calçados (3,8%), peças automotivas (3,7%) e têxteis (3,5%). As principais fontes de importação foram Vietnã (34%), Tailândia (21%), Indonésia (18%), Malásia (14%), Singapura (7,7%) e Filipinas (3,9%).
Embora o Brasil tenha poucas ligações históricas com o Sudeste Asiático e interações diplomáticas escassas com a Asean, a existência de uma cidade global como Singapura na região – “a capital internacional da Ásia”, na definição de Khanna (2019) – oferece excelentes oportunidades para empresas desejosas de aprofundar suas relações com os países vizinhos. Singapura pode ser a base exploratória para os mercados regionais e para o fortalecimento da presença brasileira nessa importante área.
CONCLUSÃO
Desde o início do século XXI a Ásia tem se consolidado como um importante destino para as exportações do Brasil e há uma possibilidade significativa de que o continente absorva mais de 50% das vendas externas do país em um futuro próximo, pós-pandemia. O aumento da importância asiática para as empresas brasileiras é parte de um contexto mais amplo, de reordenamento da economia global. A Ásia está retomando a predominância econômica mundial que teve no passado, até o desenvolvimento da Revolução Industrial na Europa e nos Estados Unidos.
O novo cenário apresenta muitas oportunidades para o Brasil, mas governos e empresas precisam abandonar a postura passiva e reativa que tem caracterizado as relações brasileiras com a Ásia e buscar mais informação e análise acerca das possibilidades existentes nos mercados asiáticos. Há uma lacuna grave de conhecimento especializado acerca do continente nas instituições brasileiras, com a necessidade da criação de programas específicos nas universidades, da formação de pesquisadores por meio de intercâmbios e de políticas públicas que mobilizem os recursos da Apex-Brasil e do Ministério das Relações Exteriores de modo mais assertivo para priorizar a região.
Os principais parceiros comerciais do Brasil na Ásia são China, Japão, Coreia do Sul, Índia e os países da Asean. As exportações brasileiras estão concentradas em um conjunto de commodities ligadas aos complexos da soja, petróleo, carnes, minério de ferro, algodão, ouro e milho. As importações são mais diversificadas e abarcam uma grande quantidade de produtos industriais, tais como equipamentos de telecomunicações, peças e componentes automotivos, têxteis e calçados.
A China domina o comércio brasileiro com a Ásia, concentrando cerca de dois terços das exportações do Brasil para o continente. Contudo, outros mercados asiáticos têm se desenvolvido de forma significativa para os produtos brasileiros, notadamente a Coreia do Sul e a Índia. O relativo declínio do Japão, o parceiro mais tradicional do Brasil na região, em grande medida é explicável pelas próprias dificuldades econômicas japonesas, como seus longos anos de estagnação, mas permanece a preocupação de que o Brasil não desperdice seus laços especiais com o país em uma eventual estratégia de expansão comercial na Ásia.
Por outro lado, os dez países que formam a Asean despontam como mercados extremamente promissores para o Brasil, amparados por altas taxas de crescimento e pelos investimentos regionais da China em infraestrutura.
A região já conta com o excelente porto de Singapura e com os recursos logísticos da Cidade-Estado. Os desafios para o Brasil são mapear e explorar oportunidades em países com os quais tem pouca história de intercâmbios, como Indonésia, Tailândia e Vietnã.
Na última década, Estados Unidos e União Europeia ensaiaram “pivôs” para a Ásia e este é o momento de o Brasil pensar em uma guinada semelhante, priorizando o engajamento diplomático com os países do continente e desenvolvendo capacidades na sociedade para aproveitar as oportunidades do século asiático que desponta no horizonte.