Desafio para as Exportações

8 Abril 2020
/ Artigos

Por Miguel Lins, Vice-presidente da Funcex

O impacto da Covid-19 na saúde humana, e nas finanças em geral, é um evento singular e único na história da humanidade. O simultâneo contágio e difusão do coronavírus por todos os continentes afetou imediatamente as pessoas, os mercados financeiros, e as relações de produção e consumo.

Esta edição da RBCE apresenta um artigo que analisa o impacto do coronavírus na economia mundial. Entretanto, apesar de o artigo mostrar uma análise rica do momento presente, temos de estar atentos aos desafios conjunturais e estruturais que os exportadores brasileiros terão de enfrentar nos próximos meses, incluindo o acesso ao mercado financeiro na obtenção de linhas de trade finance. Precisamos apoiar as empresas brasileiras na internacionalização de seus negócios, inclusive aquelas que ainda não entraram na atividade de exportação.

Sem dúvida, o desafio dos exportadores brasileiros no novo normal, será apresentar resultados e lucratividade nas operações; e também inovar, perceber as oportunidades e as ameaças impostas pelo atual ambiente de negócios internacionais. Este ambiente, como apontado pelo Ministério da Economia, mostra que nos primeiros cinco meses de 2020 o crescimento das exportações brasileiras vem se expandindo a taxas superiores à demanda mundial. Isto evidencia que estamos deslocando concorrentes internacionais.

O crescimento das exportações nacionais, em um período de fraca demanda internacional, resulta do ajuste da taxa de câmbio nominal e da decisão do atual governo de abrir a economia nacional. Vale ressaltar que se deve analisar uma abertura multilateral no comércio internacional por meio de pesquisas aprofundadas. Uma recomendação da Funcex, no momento presente, é identificar fontes de financiamento para a realização de pesquisas, como as que foram feitas sobre essa temática nos anos 1980 e 1990. Aliás, esta edição da RBCE apresenta um artigo mostrando como foi importante, há trinta anos, a América Latina abrir sua economia ao mundo.

Ao se abrir uma economia continental como a brasileira, a orientação da Funcex é que empreendedores e empresas se mobilizem para descobrir oportunidades no comércio internacional, mesmo num ambiente de retração generalizada da atividade econômica. De fato, há espaço, agora, para incentivar empresas não exportadoras a se tornarem exportadoras iniciantes, e massificar o treinamento dessas por meio da metodologia de capacitação como a desenvolvida pela CNI, denominada Rota Global. Esse é um primeiro e seguro passo para a internacionalização. As empresas podem contar com ampla gama de serviços de apoio à internacionalização, conforme apontado no artigo sobre a Agenda Internacional da Indústria para 2020.

Há, também, transformações estruturais em curso no mercado internacional que são objeto de vários artigos desta edição da RBCE, como: (i) análise sobre a Ásia como nova fronteira para o comércio exterior brasileiro; (ii) a China como vetor de crescimento; (iii) a liderança nacional como ofertante de alimentos para a segurança alimentar no mundo pós-Covid; e (iv) a competitividade do destino turístico, tendo como pano de fundo a Cidade Maravilhosa do Rio de Janeiro. Por último, há um artigo sobre um tema emergente que estará na mesa de negociação internacional, que é o conceito de precaução em assuntos de meio ambiente, e de medidas fitossanitárias.

Em face dessa variedade de temas expostos nesta edição da RBCE, cabe lembrar que a história do comércio exterior, no Brasil, mostra que, com incentivos apropriados de formação de preços, os exportadores obterão pedidos de exportações. Mas hoje, em tempos de Covid-19, para produzir e embarcar as mercadorias, os exportadores precisarão financiar o ciclo de produção de seus produtos antes de embarcar, ou poderão ter que financiar seus compradores. Haverá, as vezes, a necessidade de financiar simultaneamente tanto a produção exportável, quanto o comprador internacional.

No tocante ao trade finance, a Direção da Funcex identifica que o problema a ser enfrentado no momento presente é similar ao observado em 2008, no Brasil, quando as linhas de crédito, cujas fontes eram em moeda estrangeira, ficaram escassas. Hoje, já há sinais de que não há muita disponibilidade de captação internacional dessas linhas. A bem da verdade, ainda existe alguma oferta de fundos para essas linhas, mas o preço oferecido pelas instituições financeiras, localizadas no exterior, é elevado em relação aos padrões históricos praticados. Isto torna a captação desses recursos muito onerosa para ser feita pelos bancos baseados no Brasil, e para serem repassados aos exportadores.

Com a redução das linhas de crédito às exportações, nosso olhar e atenção se voltam para superar o desafio do acesso ao crédito das empresas exportadoras ao Sistema Financeiro Nacional, e para o papel central dos bancos públicos e privados no sentido de ajudar a romper a atual escassez na área de trade finance. Temos de lembrar que uma característica implícita ao sistema financeiro é que ele trabalha, de um lado, sob assimetria e informação incompleta de seus clientes potenciais e efetivos, e, de outro, sob um processo de seleção adversa de projetos de negócios de exportação a serem objeto de financiamento.

Em situações de falta de linhas de trade finance em tempos de Covid-19, a Direção da Funcex está atenta ao surgimento de “bolsões de iliquidez” em determinados setores exportadores ou por faixas de porte das empresas, que eventualmente podem gerar situações de inadimplência e falta de performance de exportação. Inclusive, já estamos começando a observar um gradual aumento da tensão na relação entre o exportador e o banco. Isso está ocorrendo quando chega a hora de financiar ou refinanciar as operações dos tradicionais financiamentos de pré e pós-embarques.

Para enfrentar essa situação, como ocorreu em 2008, a Direção da Funcex encaminhou ofício ao Banco Central do Brasil (Bacen) sugerindo utilizar as reservas internacionais em dólares e disponibilizar para que os bancos localizados no Brasil ofereçam financiamento aos exportadores nacionais. Estes, ao longo do seu ciclo de produção, produzem, embarcam as mercadorias, recebem pelas vendas externas e entregam, ao final do ciclo, as divisas obtidas aos bancos comerciais localizados no Brasil, os quais, por sua vez, entregam as divisas obtidas com as exportações ao Bacen, para recompor as reservas internacionais. Esses instrumentos estão ainda em vigor, e são apropriados para enfrentar a atual escassez de linhas externas de financiamento às exportações. Vale lembrar que é preciso que haja liquidez e oferta de financiamento às exportações no sistema financeiro nacional, lastreado em moeda estrangeira, cujos nível e volume dependem de decisão e do novo desenho institucional do Bacen.

Hoje, a Funcex – com a crise de Covid-19 ou não – está buscando soluções para reduzir a assimetria de informações a fim de que bons projetos de exportação sejam apresentados ao sistema financeiro, e financiados. Agora é a hora para incentivar a ideação e a aceleração de negócios internacionais e de fintechs, que digitizam o financiamento das exportações.

De um lado, sabemos que anualmente o governo disponibiliza recursos orçamentários para financiar as exportações das pequenas e médias empresas (PMEs) exportadoras. Esses recursos orçamentários não são plenamente utilizados, seja por desconhecimento, seja porque as empresas não sabem como propor, submeter, contatar e gerir uma operação de trade finance com recursos públicos.

De outro lado, apesar da dedicação e do apoio das equipes dos bancos oficiais de comércio exterior em identificar potenciais empresas exportadoras, eles acabam esbarrando com o problema de assimetria de informação e seleção adversa de se ter “bons” projetos de exportação. Por exemplo, na Índia já há plataformas que recebem pleitos de financiamento por parte das pequenas e médias empresas. Estas fazem uma análise prévia do pedido com base numa cesta de produtos financeiros. A partir dessa análise, é feito um rating facilitando a abertura dos dados das operações empresariais que são difíceis de serem obtidos e revelados pelas empresas. Ou seja, mediante uma plataforma de negócios de financiamento às exportações, busca-se reduzir o problema de assimetria de informação e seleção adversa implícito no acesso ao financiamento às exportações das PMEs.

Por sua vez, a plataforma pode encaminhar os pleitos e negociar com os bancos as condições de acesso eventual ao financiamento. Vale ainda assinalar que a Direção da Funcex recomenda formular uma política de incentivos à constituição de fintechs para financiamento às exportações no Brasil. Essas poderiam ser constituídas a partir da estruturação de fundos de investimento, lastreados, por exemplo, por notas de exportação, cédula de produtor rural para exportação, e títulos de factoring. Nesses casos haverá supervisão do Bacen e da CVM, quando se aplicar. E, o melhor, é que as PMEs exportadoras terão formas de acesso às exportações, compostas por fontes públicas e privadas.

Para enfrentar um dos pontos críticos das exportações em tempos de Covid-19 estamos expandindo a área de “Consultoria de trade finance da Funcex”, em especial na parte de readequação da estrutura de capital de empresas exportadoras e não exportadoras, e de operações estruturadas para trade finance, e finanças verdes. De fato, estamos montando, especificamente, metodologia composta por workshop, curso e consultoria que permita apoiar preferencialmente on-line, ou presencialmente, as empresas exportadoras para que saibam apresentar bons projetos de exportação, e também mostrar dados de crédito scores consistentes, para terem maiores condições de acesso aos tradicionais produtos de trade finance.

Recomendamos que acompanhem as novidades da Funcex: workshops e cursos; Agência de Notícias, as mídias sociais e, sobretudo, continuem a prestigiar a RBCE, que este ano completa 35 anos.

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