por Fernando J. Ribeiro e Ricardo Markwald
A dinâmica da pauta de exportações é um aspecto relevante para explicar o desempenho das vendas externas de um país ao longo do tempo. Mais precisamente, considera-se desejável que um país promova não apenas a diversificação mas também um contínuo upgrade da pauta exportadora, incorporando novos produtos e aumentando a importância relativa de produtos com determinados requisitos como, por exemplo, produtos manufaturados com elevado valor agregado e crescente conteúdo tecnológico e cuja demanda internacional apresente tendência de expansão acima da média geral.
Deste ponto-de-vista, argumenta-se comumente, e nem sempre com o devido embasamento empírico, que as exportações brasileiras, além de não apresentarem um perfil favorável com relação a estes atributos, também não estariam sofrendo mudanças significativa sem sua composição ao longo do tempo.
O objetivo desta nota é dar uma contribuição a este debate, fazendo uma análise da dinâmica da pauta em termos de quais foram os novos produtos incorporados e quais os produtos que ganharam importância na pauta no período recente, buscando classificá-los segundo alguns atributos relevantes. Para isso, fazemos uma análise no nível mais desagregado possível, ou seja,utilizando a classificação de produtos a oito dígitos da Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM). Para efeito de comparação, analisamos também o perfil dos produtos que desapareceram da pauta nos últimos anos e daqueles que perderam importância relativa, uma vez que a dinâmica envolve necessariamente inclusão e exclusão de produtos.
Um fato limitador de nossa análise refere-se ao período dos dados analisados, restrito aos anos de 1997 e 2001. Esta escolha justifica-se em virtude da mudança de classificação de mercadorias no comércio exterior que passou, em 1996, da NBM (Nomenclatura Brasileira de Mercadorias) para a NCM (Nomenclatura Comum do Mercosul). Esta mudança gera problemas complicados de comparabilidade entre os produtos nos períodos anteriores a ela. De qualquer forma, o intervalo parece suficiente para identificar alguns fatos relevantes, especialmente se levarmos em conta que neste meio tempo houve uma mudança importante de regime cambial, a qual eliminou a sobrevalorização cambial existente até 1998.
1. SELEÇÃO DA AMOSTRA BÁSICA
Partindo-se dos dados básicos de comércio fornecidos pela Secex/MDIC, foram selecionadas todas as posições da NCM a 8 dígitos que tiveram algum valor exportado em 1997 ou em 2001, perfazendo um total de 7.538 posições. Deste total, 916 posições tiveram valor exportado apenas em 2001. Estas posições foram classificadas como inovações strictu sensu. O passo seguinte foi selecionar as posições que tiveram valor exportado apenas em 97, chegando-se a um total de 768 posições. Estas foram classificadas como extinções strictu sensu, referindo-se a posições que “somem” da pauta entre 1997 e 2001.
Restaram ainda 5.851 posições que tiveram valor exportado em ambos os anos. Dentre estas, há um subconjunto de 617 cuja participação na pauta de exportações aumentou dez vezes ou mais1 entre 1997 e 2001, que foram classificadas como evoluções. Essas posições refletem,em boa medida, inovações ocorridas em anos anteriores a 1997. Finalmente, foram selecionadas as posições cuja participação na pauta caiu dez vezes ou mais entre os dois períodos considerados. Estas foram classificadas como regressões e correspondem, muito provavelmente,a produtos NCM-8 cujo declínio exportador iniciou-se em 1997.
A Tabela 1 abaixo resume as informações relativas a estas quatro categorias de produtos selecionadas, destacando ainda qual a importância das posições em termos de valor exportado nos anos considerados, bem como a sua participação no total das exportações em cada ano.Observa-se que as inovações, embora seja o grupo mais numeroso em termos de posições daNCM, tiveram um valor exportado de apenas US$ 500 milhões em 2001 (e, naturalmente, zero em1997), respondendo por 0,9% da pauta total naquele ano. Os valores reduzidos não devem,contudo, mascarar a relevância de estar-se agregando uma quantidade bastante razoável de produtos à pauta exportadora. Com efeito, é natural que a entrada de novos produtos se dê, nos primeiros momentos, com valores relativamente baixos. O importante é que, uma vez incorporados eles ganhem importância ao longo do tempo. No caso dos extinções, os valores são também reduzidos, da ordem de US$ 630 milhões em 1997, ou apenas 1,2% da pauta naquele ano (e zero em 2001).
Tabela 1
MUDANÇAS NA PAUTA DE EXPORTAÇÕES DO BRASIL - 1997 a 2001 (US$ milhões)
DiscriminaçãoValor 97 % Total 97 Valor 2001 % Total 2001 Núm. Posições NCM Inovações--5000,9916Evoluções1190,26.38411,0617 Subtotal1190,26.88411,91.533Extinções6321,2--769Regressões2.8445,4840,1648 Subtotal3.4766,6840,11.417
Fonte: Funcex.
1 A escolha deste fator de 10 vezes foi arbitrária. Note-se que esse incremento corresponde a uma taxa de crescimento anual da ordem de 80% entre 1997 e 2001.
A importância relativa é bem maior quando se trata das evoluções. Embora envolvam um número menor de posições NCM relativamente às inovações, o valor total destas posições alcançou US$ 6,4 bilhões em 2001, o equivalente a 11% da pauta naquele ano. A intensidade do crescimento das exportações destes bens pode ser medida comparando-se estes valores com os referentes a 1997: US$ 119 milhões e 0,2% da pauta, respectivamente. Entre 1997 e 2001, estes617 produtos registraram crescimento de mais de 50 vezes, ao passo que as exportações totais cresceram pouco mais de 9%.
No caso das regressões, o valor exportado das 648 posições foi de US$ 2,8 bilhões em1997, ou 5,4% da pauta. Estas mesmas posições totalizaram exportações de apenas US$84 milhões em 2001, ou 0,1% da pauta naquele ano. A queda de seu valor exportado foi de mais de 30 vezes.
Já podemos chegar a duas conclusões interessantes. A primeira é que 11,9% das exportações realizadas no ano 2001 referiram-se a produtos que não faziam parte da pauta em1997, ou cujo valor exportado naquele ano foi insignificante. De modo inverso, 6,6% das exportações realizadas em 1997 referia-se a produtos que, ou simplesmente deixaram de fazer parte da pauta em 2001, ou cujos valores exportados tornaram-se inexpressivos. Se levarmos em conta que o intervalo da análise é de apenas 4 anos, este é um resultado importante, pois indica não ser verdadeira a hipótese de que a pauta de exportações brasileiras não sofreu alterações significativas nos últimos anos.
Naturalmente, a simples identificação de que houve mudanças expressivas na pauta em termos de produtos não constitui um fato positivo em si. Para que se possa fazer algum juízo sobre se as mudanças foram para melhor ou para pior é necessário identificar as características destes produtos, avaliadas com base em determinados critérios ou atributos. Nesta nota,lançamos mão de cinco atributos. Dois deles são aqueles tradicionalmente utilizados na análise da balança comercial, quais sejam, classes de produtos2 e categorias de uso3. Os outros três referem-se a classificações elaboradas pela própria Funcex: setores produtivos4, dinamismo do mercado internacional5 e grau de intensidade tecnológica.6
2 Básicos, semi manufaturados e manufaturados.
3 Bens de capital, bens intermediários, bens de consumo duráveis, não-duráveis e combustíveis.
4 Setores produtores de bens agrícolas e industriais conforme a classificação adotada na matriz insumo-produto calculada pelo IBGE.
5 Os produtos são classificados de acordo com a taxa de crescimento recente do comércio mundial em cada um deles, com base em dados da UNCTAD: Em decadência (crescimento do comércio mundial inferior a 2% a.a.), em regressão (crescimento entre 2% e 5%a.a.), intermediários (entre 5% e 8% a.a.), dinâmicos (entre 8% e 11% a.a.) e muito dinâmicos (acima de 11% a.a.).
6 Alta, média-alta, média-baixa e baixa.
2. DINÂMICA DA PAUTA
As tabelas que se seguem apresentam a distribuição do valor e do número de posições identificadas, discriminadas segundo duas categorias: a primeira, reúne num único agrupamento as inovações e as evoluções; a segunda, agrega as extinções e as regressões. São apresentados nas tabelas os atributos que tiveram maior participação percentual no valor total das posições identificadas.
2.1. Inovações e Evoluções
A Tabela 2 mostra que quase 70% dos produtos classificados como inovações eevoluções em 2001 são manufaturados, um percentual bem superior à participação deles nasexportações totais, nesse mesmo ano. É significativo, também, o peso dos bens de capital: defato, mais de 50% das inovações e evoluções são bens de capital, parcela muito superior a seupeso na pauta total, que é de apenas 13,9%. De forma coerente com estes dois fatos, observa-seque 56,5% das posições classificadas como inovações e evoluções referem-se a produtos comcomércio mundial dinâmico ou muito dinâmico, ou seja, com taxa de crescimento acima de 8%a.a. É notável que a participação dos produtos com dinamismo intermediário seja de apenas 5%,contrastando com seu peso de 40% na pauta total. Já quanto ao conteúdo tecnológico, 60% dasinovações e evoluções são classificadas como sendo produtos de intensidade tecnológica alta oumédia-alta. Neste sentido, o perfil das inovações e evoluções parece extremamente favorável.
A análise em termos setoriais mostra que quase 77% das inovações e evoluções resultaram da exportação de apenas cinco setores: Peças e outros veículos, Equipamentos eletrônicos, Petróleo e carvão, Agropecuária e Calçados, nessa ordem. Dentre esses, é nítida a concentração no setor de Peças e outros veículos, que reflete a importância dos produtos da Embraer.
Esta concentração motivou uma análise mais detalhada das posições mais importantes,em termos de valor, dentre as 1533 consideradas como inovações e evoluções. O resultado dessa análise é apresentado na Tabela 3, que agrega e ordena as inovações e evoluções em grupos de produtos de acordo com a classificação a quatro dígitos da NCM.7 Dentre os dez grupos aqui destacados é evidente o peso dos veículos aéreos, bem como o de alguns produtos de setores exportadores mais tradicionais, com destaque para produtos do agribusiness (milho em grão,couros e peles, algodão e carnes de suínos).
A participação de outros grupos de produtos mais “sofisticados”, contudo, também é bastante relevante: aparelhos de telecomunicações, monitores de vídeo e receptores e equipamentos de informática refletem um conjunto de investimentos feitos nos últimos anos,especialmente na fabricação de alguns produtos específicos com demanda crescendo rapidamente (como celulares), que, no entanto, costumam ter um conteúdo elevado de insumos importados. De fato, são produtos nos quais o país é ainda um grande importador líquido,desenvolvendo capacidade de exportação em segmentos específicos.
É importante destacar que, com a exclusão de uma única posição do setor de Peças e outros veículos (a posição “outros aviões com peso entre 2 e 15 toneladas”), a distribuição de inovações e evoluções mostrada na Tabela 2 se altera bastante. De fato, a participação dos manufaturados cai para menos de 50%, ao passo que os produtos básicos passam a responder por cerca de 40%. A participação dos bens de capital cai para 18,8%, sendo, ainda assim,superior ao seu peso na pauta total. Os produtos em decadência ou em regressão no comércio mundial passam a dominar, com 64% do total. E os produtos com intensidade tecnológica alta ou média-alta reduzem sua participação para 33%.
2.2. Extinções e Regressões
Efetuando-se a mesma análise para os 1417 produtos classificados como regressões ou extinções, observa-se, pela Tabela 4, que mais de 85% referem-se a produtos manufaturados.Também a exemplo do que ocorre com as inovações e evoluções, a participação dos bens de capital (35,6%) é bem superior ao seu peso na pauta total. Os produtos com comércio mundial em decadência ou em regressão representam a maior parcela, de 44%, mas o peso dos produtos dinâmicos ou muito dinâmicos no comércio mundial é também elevada (quase 40%), e bem superior ao seu peso na pauta total. Mais uma vez, o peso dos intermediários é bastante reduzido. E quanto à intensidade tecnológica há uma distribuição similar entre os de baixa e os de alta tecnologia.
Com relação aos setores produtivos, as extinções e regressões também se concentram no setor de Peças e outros veículos, sendo também muito significativa a participação do setor de Beneficiamento de produtos vegetais. Também a exemplo das inovações e evoluções, há uma grande concentração em poucas posições dentre as 1417 consideradas. De fato, as 20 principais respondem por quase 70% do valor total.
Finalmente, há um outro grupo para o qual a explicação para a queda é clara: Laminados planos de ferro e aço a quente. Em 1997, os principais mercados do país eram EUA e Argentina,países que vêm desde 1999 aplicando direitos anti-dumping, os quais praticamente inviabilizaram nossas exportações.
3. CONCLUSÕES
A análise da dinâmica da pauta em termos de inovações, evoluções, extinções e regressões acima apresentada não é exaustiva. Contudo, alguns resultados merecem registro.Primeiramente, as inovações strictu sensu e os extinções strictu sensu foram responsáveis por frações reduzidas do valor da pauta nos anos de 2001 e 1997, respectivamente, embora envolvessem um número relativamente alto de posições NCM. Já as evoluções tiveram participação considerável na pauta de 2001 (11%), mais do dobro da participação das regressões (5,4%) na pauta de 1997.Vale a pena enfatizar, portanto, que cerca de 12% das exportações de2001 referiram-se a produtos que não eram exportados ou o eram com valores muito reduzidos em 1997.
Em segundo lugar, destaca-se que, em todos os quatro casos analisados, houve uma grande concentração de valor em poucos produtos − via de regra, cerca de 70% ou mais estiveram concentrados em 20 produtos. Ou seja, apesar da abrangência das mudanças em termos de número de posições NCM − e portanto, em variedade de produtos − apenas uma reduzida parte delas é relevante em termos de valor.
O terceiro aspecto que chama atenção é o perfil das inovações e evoluções, com elevada concentração em bens de capital, produtos muito dinâmicos no comércio mundial e de alta intensidade tecnológica. A análise das posições, contudo, indica que apenas uma − “outros aviões entre 2 e 15 toneladas” − explica 40% do valor total. Ao efetuar a mesma análise excluindo-se esta posição, o quadro muda significativamente: a pauta de inovações e evoluções passa a ter maior concentração relativa em produtos básicos, com mercados pouco dinâmicos e com intensidade tecnológica mais baixa.Ainda assim, o percentual de inovações e evoluções referentes a produtos cuja demanda mundial é dinâmica ou muito dinâmica permanece expressivo(cerca de 28%, percentual superior à média da pauta total), o mesmo valendo para produtos de intensidade tecnológica alta ou média-alta (33%) e para os bens de capital (18,8%).
Quanto aos extinções e às regressões, o principal destaque é a grande participação de bens de capital, muito acima de sua participação no total da pauta.Note-se, contudo, que, em boa medida, esses extinções e regressões foram mais do que compensados pela exportação de grupos de produtos análogos (aeronaves e equipamentos de informática) na categoria de inovações e evoluções. Ainda assim, é certo que uma parcela dessas extinções e regressões deve ser explicada pela menor competitividade de segmentos específicos da indústria nacional de bens de capital. Com relação ao dinamismo dos mercados, há uma distribuição similar entre os mais dinâmicos e os em decadência ou em regressão. E há maior concentração em bens de menor intensidade tecnológica em ambos os casos.
Os dados aqui apresentados permitem concluir que houve mudanças não-desprezíveis na pauta de exportação brasileira entre 1997 e 2001, com um número bastante razoável de produtos tendo ganhado ou perdido participação na pauta de forma rápida, em um período relativamente curto. Em termos de valor, as mudanças são bastante concentradas em uma gama reduzida de produtos e relacionam-se tanto a setores mais tradicionais quanto a setores tecnologicamente mais “sofisticados”.
Entre as inovações e evoluções, o caso do aviões é notável. Excetuando-se este, o perfil das inovações e evoluções não difere muito das extinções e regressões, implicando que não há um padrão nítido de substituição de produtos tradicionais por produtos mais dinâmicos e tecnologicamente avançados. Tanto nas inovações e evoluções (exceto aviões) quanto nos extinções e regressões, as mudanças têm uma concentração relativamente maior em produtos de baixo dinamismo no mercado mundial e de baixo conteúdo tecnológico. Contudo, as contribuições de produtos de maior dinamismo comercial e de maior conteúdo tecnológico para as inovações e evoluções são significativas, sendo superiores ao peso que tais produtos têm na pauta exportadora total do país.