Desenhos para um Novo Mapa-Múndi

8 Julho 2022
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por Mario Cordeiro de Carvalho Junior
Economista-chefe da Funcex

Oportunidades comerciais existem, podem ser identificadas e concretizadas em todos os recantos do globo terrestre. Manufatura aditiva, combinada de forma híbrida com manufatura subtrativa, permite um novo aprendizado para industrializar e manufaturar bens e serviços. Tecnologias e técnicas indutoras de inovações disruptivas, incrementais ou frugais podem ser adotadas no chão de fábrica em qualquer localidade geográfica. Trabalho remoto pode e começa a ser feito em qualquer país desde que haja mapeamento claro e preciso do processo do negócio. Com mídia social pode-se fazer marketing internacional, inclusive estar presente e desbravando o metaverso. Mais ainda, o que se produz – bens e serviços – pode-se vender em todos os continentes por meio de plataformas digitais com apropriado acesso a meios de pagamento internacional, trade finance e solução de logística.

Participar e conquistar espaço nesse oceano de possibilidades para obter ganhos de comércio requer como condição necessária traders, gestores de comércio internacional e estrategistas nas empresas localizadas no Brasil. E, como condição para eficiente política de comércio exterior, que se estabeleça uma tarifa e proteção aduaneira nominal clara, tendendo para a uniformidade em termos de nível; que se evite a incidência de resíduos tributários na exportação; e haja acesso a financiamento e a seguro de crédito às exportações. Sem dúvida, é preciso reduzir o Custo Brasil, principalmente o incidente sobre o setor industrial e de serviços, de forma conjunta por empresas e governo. Transportar do Brasil para o
mundo importará sempre um custo elevado pois estamos longe dos centros dinâmicos do comércio internacional, mas
nada justifica os atuais preços dos fretes marítimos.

Agora há uma transição gradual para uma situação de endemia. Houve perda de capital humano e de produção em todos os países, mas estamos entrando numa nova era de novas ideias, de inovações de produtos e processos, de novos usos e práticas sociais advindas da confluência de tecnologia digital, realidade virtual e interação humana. Essa mudança na base da organização social, do trabalho e da produção irá causar polarização de ideias, de práticas produtivas e de posições políticas.

Já estamos presenciando isso, visto que os riscos ficam mais visíveis – o risco de escalada militar devido ao conflito da
Ucrânia; o risco de contágio inflacionário por todas as economias em razão dos choques de energia, alimentos e fratura da
cadeia de transportes e suprimentos; o risco de continuação de guerra comercial entre Estados Unidos e China; o risco de
paralisia das negociações e atividades multilaterais da OMC; e o risco do aquecimento global.

Tudo isso produz incertezas para a condução dos negócios internacionais, pois os líderes mundiais buscam adotar ações
para mudar o atual mapa-múndi, que é caracterizado pela transição de um mundo de hegemonia unipolar para multipolar.
Essa edição da RBCE busca apresentar uma reflexão acerca da transformação por que passa o mundo. Sem dúvida, a entrevista de Henrique Meirelles, ex- presidente do Bacen e ex-ministro da Fazenda aponta caminhos e sugestões para aumentar a resiliência e para se atravessar esse novo momento de turbilhão global. Há ainda dois artigos que focam de forma precisa dois assuntos sobre o ambiente internacional. Um é o do Carlos Braga que discute como o ESG, a Covid-19 e o Conflito na Ucrânia estão impactando o comércio internacional; e o outro, de Luis Carlos Szymonowicz, que aborda a diligência acerca da sustentabilidade corporativa para mostrar como isso afeta as empresas brasileiras.

Sob uma ótica prospectiva cabe mencionar o artigo de José Augusto Coelho Fernandes sobre o futuro da indústria brasileira. Nessa linha de cenários, digno de nota é o artigo de Augusto Moutella Nepomuceno sobre o papel estratégico da Funcex para o desenvolvimento brasileiro; e o de Paulo Manoel Lenz Cesar Protásio, sugerindo a formulação de um novo mapa-múndi para o Brasil. Segundo Protásio “é tempo de potencializar o soft power para iniciar uma influência a partir do papel que temos no centro do mundo como região e país”. Para o autor “a abertura do comércio internacional via ações para a competitividade regional com desenvolvimento sustentável é o caminho para uma maior integração cultural, econômica e sustentável a partir de um novo mapa-múndi.”

A noção de analisar temas que tracem novos desenhos para um novo mapa- múndi permeia os demais artigos dessa RBCE. Fabrizio Panzini aborda os preços de transferências, lucros no exterior e os acordos de bitributação no Brasil no contexto de uma reforma tributária. Por sua vez, as principais vantagens da nova lei cambial brasileira para as empresas e os aspectos da consulta pública sobre o novo marco cambial são discutidos, respectivamente, por Marcelo Ferreira Lima, e Shirley Atsumi. Também abordou-se o Fiagro, como um novo mecanismo de securitização das cadeias agroindustriais. E, na sua coluna de comentário internacional, George Vidor cita a importância das missões internacionais para viabilizar a entrada e presença do Brasil no mercado internacional.

Com relação à prática de comércio exterior, esta RBCE aborda três assuntos, a saber: os aspectos da carga aérea no comércio exterior; a indústria de trade show e o marketing na era de pós-pandemia nos Estados Unidos; e a formação técnica para o mercado de carbono. Escritos, respectivamente, por Alexandre Telles, Richard W. Sanchez e Jorge Sashione Neto, os artigos buscam de forma sintética apresentar para os operadores de comércio exterior caminhos para melhorar a atuação e a formação da performance pessoal e empresarial nesses assuntos.

Finalmente, há um artigo que aborda os desafios da promoção comercial às exportações no Brasil no século XXI, da autoria de George Pinheiro, e outro que analisa a base de empresas exportadoras no Brasil entre 1997 e 2021, de Daiane dos Santos e Henry Pourchet. Ambos se complementam e propõem ações e atividades que, se adotadas, incentivaria de fato o desenho de um novo mapa- múndi comercial para as empresas se inserirem nas cadeias globais de valor.
De fato, a partir do artigo-base das empresas exportadoras pode-se constatar que, ao longo do período entre 1997 e 2021,
quase metade da base das empresas exportadoras operam de forma contínua na atividade de exportação no Brasil. Em termos de número absoluto de empresas exportadoras verificou-se que há empresas exportadoras contínuas e descontínuas atuantes com regularidade e constância na exportação. Para efeito de política de promoção de exportações isso mostra maturidade na atividade exportadora e, sobretudo, de orientação nos negócios internacionais, sinalizando que as empresas reagiram aos incentivos econômicos dados entre 1997 e 2021, passando a enxergar o mercado internacional como um complemento importante para o mercado interno.

A realização plena do potencial exportador da base das empresas oriundas da indústria, do comércio e de serviços ditas
contínuas e descontínuas no Brasil requerem uma atuação coordenada dos setores público e privado voltada para a indução de novos investimentos e para a remoção de obstáculos que podem inviabilizar a maior orientação externa dessas
empresas. Cumpre observar que enfrentar a questão de acesso ao trade finance e ao seguro de crédito às exportações é fundamental para expandir a orientação das empresas exportadoras contínuas e descontínuas. Mas, o que importa ressaltar é que, dado o conjunto de empresas exportadoras contínuas ao longo de 1997-2021, há espaço para que se institua uma parceria público-privada que estabeleça trade scores para avaliar o risco de financiar as exportações tanto no pré-embarque, quanto na área de pós-embarque. Ter esses trade scores facilitará tanto a precificação de seguros quanto, sobretudo, viabilizará o maior envolvimento do setor privado na atividade de financiamento às exportações.

É imprescindível incentivar a capacitação dos gestores das empresas exportadoras estreantes brasileiras. Nesse contexto,
George Pinheiro mostra que é preciso construir, propor e executar uma “nova” promoção comercial das exportações, voltada para as empresas não exportadoras e/ou exportadoras iniciantes, sensibilizar sobre a importância da produtividade
e da promoção comercial ao nível das empresas. A questão da produtividade na exportação é por si só um desafio. Ser
produtivo requer ter processo e assumir um nível de organização da produção e do trabalho, próximo da classe mundial.
Em resumo, em pleno século XXI, apoiar a inserção das empresas não exportadoras nas exportações, disseminar a cultura
exportadora e aumentar a proporção das exportações das empresas estreantes, contínuas ou descontínuas nas receitas totais das empresas requer solucionar carências de mercado mediante as seguintes ações: a) prover informações para que se reduzam os custos de fechamento dos contratos de câmbio, preferencialmente por meio do uso e da disseminação de plataformas eletrônicas de câmbio; b) prover informações para que se aumente a quantidade de projetos de exportação passíveis de serem oferecidos ao sistema financeiro nacional, composto por bancos públicos e privados, por meio de plataformas de trade finance; c) incentivar a formação de traders aptos a operar em ambientes presenciais e virtuais de negócios internacionais, capacitando-os a usar as plataformas de trade commerce ; e, por último, d) formar uma nova geração de assistentes de comércio exterior capazes de lidar com a transformação digital em curso, o que requer a capacitação de talentos em temas de comércio exterior e que entendam de certificações, de normas voluntárias de sustentabilidade, das novas regras de câmbio, trade finance e seguro de crédito. E dotar esses talentos com conhecimentos para – ao nível de chão de fábrica – melhorar a lucratividade com a melhoria contínua de processos para uma produção ágil, rápida e com menores custos.

Cumpre destacar que se as considerações e sugestões aqui expostas forem implementadas certamente haverá uma maior
orientação externa das empresas exportadoras já existentes e atuantes no Brasil, e isso induzirá novas empresas de indústria, comércio, serviços, e agricultura a entrarem e permanecerem nas exportações de forma contínua e perene. Esses são os elementos e os traços para o desenho de uma inserção brasileira nesse novo mapa-múndi que teremos de operar nos anos vindouros.

editorialRBCE
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