Câmbio, trade finance e seguro de crédito às exportações: incentivos para um maior crowding pelo setor privado

8 Setembro 2022
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por Mário Cordeiro de Carvalho Jr.
Economista, professor na FAF/UERJ, editor-chefe da RBCE e economista-chefe da Funcex

Uma das caraterísticas singulares observadas, entre 2019 e 2022, na área de organização e funcionamento – dos
mercados de câmbio e meios de pagamentos internacionais, de trade finance e de seguro de créditos às exportações
é o florescimento de oportunidades de atuação por parte do setor privado, tanto de instituições financeiras como
não financeiras.

Em linhas gerais, observam-se inovações financeiras em função de novas tecnologias, e percebe-se, de forma inci-
piente, a oferta de novos produtos voltados para atender às demandas por parte das empresas exportadoras, para
vender melhor as divisas auferidas com as exportações, obter acesso ao mercado de trade finance (com fonte de
recursos em moeda estrangeira ou nacional) e, inclusive, obter apólices de seguro de operações de crédito às expor-
tações emitidas por seguradoras internacionais presentes no país.

Para compreender o incentivo real à uma maior presença do setor privado nessas atividades, devemos sempre lem-
brar que a demanda observada no Brasil por produtos/serviços de câmbio de divisas estrangeiras por reais, de fi-
nanciamento de pré ou pós-embarque e de seguros ou garantias é sempre originária das empresas exportadoras.
Em outras palavras, somente quando houver a venda internacional de bens e/ou serviços do Brasil para o exterior é
que ocorrerá uma oferta de produtos/serviços por parte de corretoras de câmbio, bancos privados ou públicos e de
seguradoras, para atender as empresas exportadoras.

Devemos lembrar que, em 2021, as exportações brasileiras somaram cerca de U$ 280,394 bilhões. Esse volume de
divisas foi ofertado para ser trocado (ou mantido no exterior) por 30.959 empresas. E, desse número, constata-se
a presença de 15.770 empresas exportadoras contínuas; e houve 5.268 empresas que estrearam nas exportações
naquele ano. As restantes 9.921 ofertaram cambiais naquele ano, ainda que operassem e vendessem para o exterior
de forma descontínua.

Em 2021 o setor da indústria teve 17.490 empresas que exportaram, lembrando que o total de empresas exporta-
doras no Brasil era de 30.959. Naquele ano 10.445 empresas exportadoras eram do setor de comércio. Desse total,
5.044 empresas comerciais são contínuas; e 3.088 delas entraram nas exportações de 2017 até 2021. As empresas
oriundas da indústria e do comércio e de outros setores (serviços, de construção civil, e da agricultura) são o lócus,
em última análise, de onde se origina a demanda por câmbio de divisas, de operações de financiamento de pré e
pós-embarque, e de seguro e garantias.

As operações de troca de divisas estrangeiras por reais são cursadas por meio do mercado de câmbio brasileiro, que hoje está em processo de modernização, simplificação e consolidado na Lei nº 14.286/2021. De fato, essa é uma lei única – composta por apenas 28 artigos – que organizou os princípios de atuação, de um lado, do Bacen e, de outro lado, dos agentes econômicos (instituições financeiras e não financeiras), empresas exportadoras e importadoras de bens e serviços, investidores estrangeiros que atuam no Brasil, e, também, de turistas que desejem viajar para o (e do) do Brasil.

Em linhas gerais, para efeitos das operações cambiais definiu-se quem é residente e não residente no país. Depois, definiram-se os princípios de organização do mercado cambial, sobretudo a autorização das instituições que podem operar nesse mercado. Essa lei estabeleceu as competências do Bacen na área, e ainda tratou do capital brasileiro no exterior e do capital estrangeiro no país, das informações para a compilação de estatísticas macroeconômicas oficiais pelo Banco Central do Brasil e estabeleceu certas disposições finais.

De fato, com essa lei cambial, algumas leis de corte cambial de 1920 até 2009 foram revogadas, mas seus princípios legais foram mantidos, o que a caracteriza como uma lei única para tratar uma só matéria – o mercado de câmbio. Isso é uma “inovação” legal no sistema jurídico brasileiro. Em resumo, houve avanço em técnica jurídica e os princípios de supervisão e exercício das funções privativas do Bacen no mercado cambial foram preservados.

Do ponto de vista microeconômico das operações, houve duas “inovações”, a saber. A primeira é que a instituição autorizada a operar no mercado de câmbio é responsável pela identificação e pela qualificação de seus clientes, por assegurar o processamento lícito de operações no mercado de câmbio e prevenir a realização dessas operações para a prática de atos ilícitos, incluídos a lavagem de dinheiro e o financiamento do terrorismo.

Por sua vez, o vendedor ou comprador de divisas, originador das operações cambiais, terá de classificar essa operação de acordo com as normas a serem emanadas pelo Bacen. E, as instituições autorizadas a operar no mercado de câmbio terão de prestar orientação e suporte técnico aos agentes que originarem as operações. Num primeiro momento, haverá custo para organizar e obter essas informações de forma perene e confiável, pois haverá necessidade de identificar as transações normais e corriqueiras das empresas exportadoras e importadoras que operam de forma contínua no mercado internacional (e de outros originadores) e, sobretudo, adotar procedimentos de compliance cambial para compreender as operações novas que vierem a cursar no mercado de câmbio.

A segunda inovação foi definir – do ponto de vista do originador das operações cambiais – que tipo de pagamento de obrigações em moeda estrangeira são exequíveis a partir do território nacional, desde que estejam apostas e inseridas: (i) nos contratos e nos títulos referentes ao comércio exterior de bens e serviços, ao seu financiamento e às suas garantias; e (ii) nas obrigações cujo credor ou devedor sejam não residentes, incluídas as decorrentes de operações de crédito ou de arrendamento mercantil; com fontes de recursos em reais ou em moeda estrangeira; na compra e venda de moeda estrangeira; em casos de exportação indireta, e em casos em que a originadora da operação seja concessionária, permissionária, ou arrendatária em setores de infraestrutura.

“Somente quando houver a venda internacional de bens e/ou serviços do Brasil para o exterior é que ocorrerá uma oferta de produtos/serviços por parte de corretoras de câmbio, bancos privados ou públicos, e de seguradoras para atender as empresas exportadoras”

Essas duas “inovações” microeconômicas que definem a identificação da operação cambial e o tipo de pagamento permitido a partir de contratos firmados no território nacional geram maior segurança jurídica às operações que possam vir a ser cursadas e originadas no mercado de câmbio brasileiro, contribuindo para uma maior eficiência nesse mercado. Mesmo antes da aprovação e da entrada em vigor da nova lei cambial, já havia indícios de que a formação do preço diário da taxa de câmbio de compra e venda de reais por divisas estrangeiras estava se tornado mais competitiva e “automatizada”.

Na prática, passou-se a observar que os grandes bancos privados e estatais que operavam ao longo dos anos no mercado de câmbio começaram a introduzir “sistemas automatizados” que permitiam aos exportadores e importadores estabelecerem contatos virtuais ao longo de cada dia no mercado spot de câmbio para “leiloar” a venda (ou a compra) das suas divisas. Isso foi um avanço tecnológico, pois foram dadas opções aos vendedores e compradores de falarem e negociarem quase direto com as mesas de câmbio desses grandes bancos.

“Com a provisão de trade scores por meio de um tipo de parceria público-privada se reduziriam os riscos associados ao financiamento às exportações e se incentivaria o setor privado a aumentar por meio de suas instituições financeiras e não financeiras a oferta de crédito aos exportadores nacionais”

Hoje, com a edição da lei cambial, alguns analistas acreditam que o contrato de câmbio será extinto, o que induziria a busca de novos instrumentos de garantias para a exportação. Contudo, em face do pouco apetite dos bancos privados de assumirem riscos no financiamento de pré-embarque e no pós-embarque sem a assunção de garantias reais, o mais provável é que esse instrumento continue a existir no Brasil na área de exportação.

No Brasil, o maior problema do financiamento às exportações reside nas fontes de recursos e não nos usos.
A análise dos usos e fontes dos recursos financeiros permite constatar que a maior parte das vendas externas brasileiras é financiada por capitais estrangeiros e muito pouco com capital nacional. E, ainda, é preciso lembrar que uma característica implícita do sistema financeiro nacional é que o mesmo trabalha, de um lado, sob assimetria e informação incompleta de seus clientes potenciais e efetivos e, de outro lado, sob um processo de seleção adversa de projetos de negócios de exportação a serem objetos de financiamento.

Na verdade – dada a assimetria de informações no mercado de crédito – é preciso que o Bacen incentive a provisão de informações típica de uma “Serasa de exportação” que viabilizassem o estabelecimento de trade scores das empresas exportadoras nacionais, principalmente as que atuam de forma frequente e contínua nas exportações. Isso melhoraria o relacionamento entre empresas exportadoras e bancos privados e incentivaria mais instituições financeiras e não financeiras privadas a operar no financiamento de exportações de pré e pós-embarque. Em resumo, com a provisão de trade scores por meio de um tipo de parceria público-privada se reduziria os riscos associados ao financiamento às exportações e se incentivaria o setor privado a aumentar, por meio de suas instituições financeiras e não financeiras, a oferta de crédito aos exportadores nacionais.

Um fato a destacar no momento presente é que já há a presença de seguradoras internacionais no mercado brasileiro dispostas a ofertar apólices de seguro de crédito ou garantias às empresas exportadoras brasileiras. No entanto, há desincentivos para que elas ofertem um maior volume de apólices no mercado brasileiro, pois essas empresas ao estruturarem as operações de garantias com as empresas que originam operações no Brasil, acabam dividindo o risco com suas matrizes no exterior. O problema é que ao compartilharem o risco com o exterior, contra a apresentação de uma apólice internacional emitida para cobrir as garantias na operação estruturada no Brasil, as seguradoras têm de elevar o seu capital próprio para cumprir as determinações do Acordo de Basileia para atender à solvência do sistema financeiro brasileiro.
Isso eleva sobremaneira o custo de orçamento de capital dessas empresas, o que desincentiva uma maior presença do setor privado segurador para oferecer garantias aos exportadores nacionais.

Segundo a nova lei cambial, o Banco Central pode abrir contas em reais e em moeda estrangeira, de depósito, compensação, liquidação e custódia em bancos centrais estrangeiros ou instituições domiciliadas ou com sede no exterior, que prestem serviços de compensação, liquidação e custódia no mercado internacional, observados os limites, os prazos, as formas e as condições estabelecidos no regulamento a ser editado pelo Banco Central do Brasil.

O Banco Central poderá ainda estabelecer exigências e procedimentos diferenciados, segundo critério de proporcionalidade, considerando aspectos como o valor, o risco e as demais características da operação do capital brasileiro no exterior ou do capital estrangeiro no país.

E poderá, ainda, levar em consideração a abrangência de atuação da instituição interessada em operar e cursar operações por meio do mercado de câmbio de modo a modular o volume, a natureza, a capacidade de inovação e os riscos de seu negócio. Inclusive, nesse caso, este poderá estabelecer requerimentos diferenciados e proporcionais para a constituição e o funcionamento de instituições autorizadas e até dispensar a autorização para constituição e funcionamento das instituições.

Dada a higidez do sistema financeiro nacional e a necessidade de iniciar uma gradual internacionalização do real e sua maior conversibilidade, com base na Lei nº 14.286/2021, o Bacen tem instrumentos para criar os incentivos corretos para um maior crowding in pelo setor privado na área de seguro de exportação definindo critérios claros de mitigação de risco que não onerem artificialmente o custo de capital; e na área de financiamento às exportações, visto que o Bacen saiu definitivamente do Convênio de Crédito Recíproco (CCR), cabe a este encontrar novas soluções para a substituição desse mecanismo, criando operações de swaps em reais ou outras inovações financeiras que permitam a maior inserção brasileira no mercado financeiro internacional.

“Com base na Lei nº 14.286/2021, o Bacen tem instrumentos para criar os incentivos corretos para um maior crowding in pelo setor privado na área de seguro de exportação definindo critérios claros de mitigação de risco que não onerem artificialmente o custo de cambial”

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