por Guilherme Soria Bastos Filho
Engenheiro agrônomo (UFV), mestre em Agricultura, concentração em Economia (Esalq/USP) e em Agricultural Economics (University of Maryland/EUA). Secretário de Politica Agrícola no Ministerio da Agricultura, Pecurária e Abastecimento (Mapa)
O setor agropecuário brasileiro continua num processo de acentuada transformação e fortalecimento, caracterizado por uma revolução tecnológica, aumento de produtividade, expansão no comércio internacional e crescimento econômico. O empreendedorismo do produtor rural brasileiro, aliado às políticas públicas de apoio, foram a garantia para que o setor cumprisse fielmente suas funções tradicionais de abastecimento do mercado interno, de geração de divisas, emprego e renda, além da geração de energia.
Graças aos avanços em pesquisa, liderados pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), o Brasil é referência em agricultura tropical e, amparado no crescimento da produtividade e da competitividade agropecuária, tornou-se potência agropecuária mundial, situando-se entre os principais países produtores e exportadores agropecuários. A Produtividade Total de Fatores (PTF) da agricultura brasileira cresceu a uma taxa anual de 3,75%, no período entre 1961 e 2019, acima da média mundial que foi de 2,32% ao ano (USDA, 2021).1
Nos últimos quatro anos, os resultados positivos demonstraram uma acertada combinação de políticas orientadas para o mercado, políticas de crédito e de seguro, avanços em pesquisa, e investimento em infraestrutura. Diferentemente de outras nações, essas conquistas foram alcançadas com níveis relativamente baixos de subsídio, principalmente por meio do crédito rural.
Mesmo com a forte seca que atingiu o Sul do país no início deste ano, a safra de grãos colhida em 2022 foi recorde (271,45 milhões de toneladas, segundo o 10º Levantamento da Conab,2 de agosto de 2022). Apesar da forte elevação no preço dos insumos (fertilizantes e defensivos agrícolas), muitas atividades agropecuárias se mantiveram com margens positivas, o que corrobora a expectativa de expansão de área cultivada na safra 2022/2023 em quase 2,0 milhões de hectares, e produção de grãos em quase 310 milhões de toneladas.
Com os preços internacionais das commodities em alta e a forte desvalorização do real desde a pandemia, os preços domésticos se mantiveram elevados, pressionando a inflação, mas trazendo mais divisas para o país uma vez que as commodities brasileiras ficaram ainda mais competitivas. Em decorrência, o Valor Bruto da Produção (VBP) agropecuária que já passa de R$ 1 trilhão, deve seguir em crescimento até o final de 2022.
Em 2021, as exportações agropecuárias brasileiras atingiram um recorde de US$ 120 bilhões, mesmo com o bloqueio chinês sobre as carnes no início de outubro de 2021.
Para 2022, as exportações devem atingir entre US$ 140 bilhões e US$ 150 bilhões. A manutenção da livre comercialização nas exportações agrícolas, sem intervenções do governo (como ocorreu até o início dos anos 1990), trouxe segurança nas vendas e fixações de preços antecipados, tanto no mercado físico como no mercado futuro.
No contexto geopolítico atual, em que os países voltam a estimular a produção doméstica e a redução da dependência das importações, é imprescindível manter a busca por novos mercados para as exportações brasileiras.
Nesse sentido, é estratégico o aumento do número de adidos agrícolas, que passou de 22 para 28.
É preciso explorar a abertura de mercados para setores com enorme potencial de crescimento e geração de excedentes, como a pesca e a aquicultura, lácteos e ovos, além de frutas, hortaliças, flores e florestas plantadas.
Dentre as políticas setoriais, o crédito rural tem se mantido como o principal instrumento de apoio ao produtor rural. Os principais fundamentos do direcionamento desse crédito são os riscos imponderáveis inerentes à atividade agropecuária, à volatilidade e ao declínio dos preços agrícolas, à falta de competitividade no mercado de insumos e às deficiências de infraestrutura.
A política de crédito rural está sendo continuamente revista e aprimorada, no sentido de ampliar sua eficácia, desburocratizar suas normas operacionais e, a partir da crise fiscal iniciada em meados de 2014, ampliar a participação de recursos livres, com taxas de juros de mercado. Entretanto, o volume não é suficiente para atender toda a demanda do setor. Considerando as principais atividades agropecuárias, estima-se uma necessidade de capital de giro de quase R$ 900 bilhões para o setor agropecuário. Recursos com fontes equalizáveis ou juros controlados representam menos de 25% da necessidade de capital. Além do custeio da safra, os programas de investimento permitiram, dentre outros, a renovação do parque mecanizado e o apoio à introdução de tecnologia com agricultura de precisão, material genético adaptado, fertilizantes, defensivos e bioinsumos.
Faz-se necessário impor restrições à política de crédito rural, promovendo ajustes nas suas estratégias e prioridades no funding do crédito rural e no direcionamento de recursos. A política agrícola tem promovido a diversificação das fontes de financiamento agropecuário, de modo a ampliar a participação de recursos livres dos mercados financeiro e de capitais, com taxas de juros livremente fixadas, por meio dos títulos do agronegócio. Esses recursos deverão representar 42% do total contratado para este Plano Safra 2022/2023, e cresceram 69% em relação ao plano anterior.
A modernização da Cédula do Produtor Rural (CPR) promovida pela Lei do Agro (Lei nº 13.986, de 7 de abril de 2020), consolidou a CPR como o mais importante instrumento de financiamento privado do setor, vital para o comprometimento da agroindústria, dos exportadores e mesmo do mercado de capitais, no financiamento do custeio agrícola. O estoque de CPR registrado na B3 e Cerc (Central de Recebíveis), empresas autorizadas pelo Banco Central a operar sistemas de registro de ativos financeiros, saltou de R$ 17 milhões em julho de 2020 para R$ 170 bilhões em junho de 2022, ou seja, decuplicou em 24 meses.
Os títulos de securitização dos créditos rurais como a Letra de Crédito Agropecuário (LCA), o Certificado de Crédito do Agronegócio (CDCA), o Certificado de Recebíveis do Agronegócio (CRA) também deram mais um suporte ao financiamento privado. A legislação desses títulos foi aprimorada com destaque para a criação da CPR verde e para a possibilidade de emissão de CPR com cláusula de correção cambial, que servem de lastro para a emissão de CRA e de CDCA, também com correção cambial, possibilitando, assim, a captação de recursos externos.
A expectativa é direcionar cada vez mais recursos de fontes equalizáveis para pequenos e médios produtores.
Para investimentos, direcionar e expandir os mecanismos privados de financiamento e fomentar a adoção de tecnologias e práticas sustentáveis (Ambiental, Social e Governança - ASG3).
Os referidos aprimoramentos da política de crédito rural tiveram por efeito não somente o acentuado aumento na quantidade e valor dos financiamentos agropecuários, notadamente para investimentos (+29% na safra 2022/2023), mas também na redução do nível de apoio ao produtor rural, estimado pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), em 1,6% do valor bruto da produção agropecuária em 2020, situando o país dentre os países que menos subsidiam a agricultura.
Outra dimensão estratégica da política agrícola é o direcionamento do apoio creditício para o pequeno produtor e para sistemas de produção ambientalmente sustentáveis, cujo alcance vai muito além do Programa para Redução da Emissão de Gases de Efeito Estufa na Agricultura, denominado Programa ABC+, abrangendo outras linhas de financiamento de práticas modernas e sustentáveis. A estimativa é que quase 60% dos empréstimos para investimentos tenham sido direcionados às práticas que promovem melhorias ambientais.
Até a safra 2018/2019, as contratações de crédito rural no âmbito do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), do Programa Nacional de Apoio ao Médio Produtor Rural (Pronamp) e demais produtores tiveram crescimento relativamente homogêneo. Nos anos subsequentes, o crédito direcionado aos médios produtores (Pronamp) e, sobretudo, aos pequenos produtores (Pronaf) teve crescimento acentuadamente superior ao dos demais produtores.
Em função do teto de gastos e das constantes restrições orçamentárias do Tesouro Nacional, a disponibilidade de recursos equalizáveis para o crédito rural, direcionado sobretudo para investimentos, apesar de vir aumentando, não tem dado vazão à demanda de crédito para investimentos. Tudo isso impulsionado pelas condições favoráveis de mercado e elevado nível de confiança do produtor rural.
O desafio de suprimento dessa lacuna reforça ainda mais a necessidade de fortalecimento das fontes alternativas de recursos, inclusive provenientes do exterior, por intermédio dos títulos do agronegócio que têm correção cambial.
Complementar ao crédito, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) vem fomentando um apoio maior aos instrumentos de gestão de riscos, como o seguro rural (Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural - PSR) e o Zoneamento Agrícola de Risco Climático (Zarc). Juntos ajudam a manter os produtores na atividade e contribuem para a introdução de tecnologias no campo, significando aumento da produção e oferta de alimentos.
“É preciso explorar a abertura de mercados para setores com enorme potencial de crescimento e geração de excedentes, como a pesca e a aquicultura, lácteos e ovos, além de frutas, hortaliças, flores e florestas plantadas”
Em 2021, em torno de 20% da área agrícola plantada teve cobertura de seguro rural e mais de 210 mil apólices apoiadas pelo Mapa (em 2018, o PSR cobria apenas 4,5 milhões de hectares com seguro rural e um valor segurado de R$ 12 bilhões). A partir de janeiro de 2022 entrou em vigor o novo Plano Trienal do Seguro Rural (2022-2024) com regras mais simples, e mais de 60 culturas com apoio. Além disso, o Mapa está direcionando recursos exclusivos para o Norte e o Nordeste e aos agricultores familiares para garantir o crédito no Pronaf.
No caso da Política de Garantia de Preços Mínimos (PGPM), com a liberdade completa no comércio exterior e o fim do ICMS4 na exportação, os preços estabelecidos pelo governo federal representam apenas uma referência para situações inéditas e de extrema gravidade na depressão dos preços de mercado.
Por fim, o desafio de trabalhar de forma integrada a inteligência estratégica com as diversas unidades do Ministério e outros órgãos governamentais, garantir o acesso e a transparência das informações, reforçar a qualidade das estatísticas agropecuárias, criar uma base única com indicadores socioambientais têm sido elementos fundamentais para formular, executar e avaliar as políticas públicas direcionadas ao setor.
Objetivamos antever situações de desequilíbrio e dar robustez às proposições que embasam as políticas voltadas ao desenvolvimento do setor, o abastecimento pleno da sociedade brasileira, a geração de excedentes para outros países e, ainda, prover as bases para o planejamento sustentável do agronegócio brasileiro.
1 USDA. Disponível em: https://bit.ly/3Ozj5Xv.
2 CONAB – COMPANHIA NACIONAL DE ABASTECIMENTO. Boletim da safra de grãos 2021/2022. Disponível em: https://
www.conab.gov.br/info-agro/safras/graos/boletim-da-safra-de-graos.