Exportar petróleo, importar derivados: isso é bom, ruim ou não tem outro jeito?

3 Novembro 2022
/ Revista Brasileira de Comércio Exterior

por George Vidor, economista e jornalista

A produção brasileira de óleo e gás já ultrapassou o volume diário de três milhões de barris equivalentes, o que tem proporcionado ao país uma capacidade de exportação da ordem de 1 milhão de barris de petróleo por dia, em média. Com isso, o petróleo alterna com os minérios de ferro a liderança na pauta de exportações ou aparece na segunda posição, quase sempre à frente do complexo soja, terceiro componente do nosso podium.

A perspectiva é que o petróleo se consolide no primeiro lugar, pois até 2026 a produção aumentará progressivamente, à medida que entrarem em operação as novas plataformas encomendadas e/ou arrendadas pela Petrobras e seus parceiros, assim como pelas demais operadoras. Grande parte desse incremento virá dos campos do pré-sal, de elevadíssima produtividade (quase sem similares no mar) e boa qualidade.

Haverá, igualmente, um salto significativo na disponibilidade de gás natural, tornando possível – a depender da construção de uma infraestrutura de transporte e processamento – uma oferta no mercado interno superior a 100 milhões de metros cúbicos por dia antes do fim da década. Nesse caso, todas as demandas projetadas para o insumo estariam atendidas no país, reduzindo enormemente a dependência externa pelo produto, que, por conveniência comercial e mesmo geopolítica pode, ou deve, continuar sendo importado.

Seja como for, o resultado da balança comercial brasileira referente a petróleo e combustíveis sofrerá uma mudança importante nos próximos anos, tanto pelo incremento das exportações, como pela substituição de gás natural importado e de petróleo leve árabe, que supre antigas fábricas de lubrificantes da Petrobras. Essa perspectiva, quando levantada anos atrás, chegou a motivar no meio acadêmico uma discussão sobre o risco de a economia brasileira enfrentar a chamada “doença holandesa” – uma referência específica à valorização do câmbio causada pela produção de petróleo no Mar do Norte nos anos 1970 e 1980. O tema não mais ocupa nossos economistas, hoje debruçados sobre outras questões.

Mesmo que o saldo comercial na conta do petróleo bruto e gás venha a aumentar, no balanço dos derivados continuarão a pesar as importações de gasolina e óleo diesel se não houver mudança substancial na capacidade de refino no Brasil. As atuais refinarias brasileiras, mesmo que operassem continuamente a pleno vapor, só poderiam processar cerca de 1,9 milhão de barris de petróleo por dia. Ainda assim, quase um quinto da demanda brasileira por óleo diesel teria de ser atendida por importações.

Isso não passaria de uma mera questão comercial, envolvendo conveniências de mercado, se a guerra na Ucrânia não tivesse sacudido a geopolítica no mundo. De certa forma, regredimos para um quadro que nos faz lembrar os tempos da guerra fria. O Ocidente se sente agora agoniado com a concentração da produção de microchips em Taiwan – o que barateou muito esse tipo de componente essencial para tudo que envolve atividade eletroeletrônica, de um simples aparelho eletrodoméstico à mais sofisticada das máquinas – em face das ameaças de invasão ou intervenção militar na ilha por parte da China (que antes parecia ter admitido uma “coexistência pacífica” com o que intitula de “província rebelde”). Há insegurança também, como é o caso do Brasil, de mercados que passaram a ser dependentes de importações de fertilizantes da Rússia e Belarus (Bielorrússia) e agora ficaram apreensivos ou vulneráveis a cortes no suprimento.

Em relação ao gás natural, petróleo e derivados surgiram incertezas e tensões que se assemelham às de tempos de crises mais graves no Oriente Médio. A Europa deu nó em pingo d’água para acumular estoques de gás natural que possibilitem a seus cidadãos enfrentar agora um rigoroso inverno. E que a economia de toda a União Europeia se readapte à falta de um gás russo bem mais barato do que o importado dos Estados Unidos e do Canadá.

Como então reposicionar as cadeias produtivas diante de um mundo em transição energética, que será mais ou menos acelerada a depender dos acordos globais relacionados às mudanças climáticas? A produção de biocombustíveis tende a ganhar impulso (no Brasil, etanol de segunda geração, por exemplo), o hidrogênio verde vai virar realidade em horizonte não distante, e a frota de veículos elétricos e híbridos começa a substituir a movida por gasolina e diesel.

Do ponto de vista meramente empresarial, será difícil convencer investidores a destinar recursos para novas refinarias de perfil antigo, que podem se tornar obsoletas em um horizonte de vinte a trinta anos. Mas é possível encontrar quem se interesse na modernização e readequação do parque brasileiro atual. Existe uma demanda atraente atendida por importações, mas que somente poderia ser substituída por uma produção nacional competitiva. Produzir localmente com altos subsídios não se justifica, a não ser no caso de o país concluir que o quadro geopolítico irá se agravar, sobrepondo-se a fatores econômicos e financeiros.

Talvez se possa encontrar meios termos. Entendimento com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) estabeleceu que a Petrobras reduzirá para o máximo de 50% sua participação na capacidade brasileira de refino. Como a companhia tem seu foco de investimentos voltado para exploração e produção no pré-sal, tal redimensionamento até se mostra hoje conveniente à empresa. A Petrobras foi até os anos 1980 uma companhia essencialmente importadora de petróleo. Fazia sentido que buscasse agregar valor a seu negócio investindo no midstreaming e no downstreaming, englobando transporte, refino e distribuição. As descobertas na camada do pré-sal redirecionaram completamente esse foco para a exploração e a produção. O mercado brasileiro para petróleo, gás e derivados permanece sendo um ativo importante. Dois terços do que a empresa produz de petróleo e 100% de gás se destinam ao mercado interno, incluindo suas próprias refinarias. A proporção não é a mesma nas parceiras e demais operadoras (exceto com relação ao gás), porém também para elas o mercado brasileiro é um importante chamariz, pela proximidade dos campos de produção.

As equipes que se responsabilizarão pelas políticas industriais e por questões energéticas em âmbito federal nos próximos quatro anos terão esse desafio pela frente: reduzir as vulnerabilidades nas importações de insumos básicos – seja no curto ou no médio prazo – sem recorrer a malabarismos e artificialismos que se mostram inviáveis e insustentáveis com a passagem do tempo. É uma discussão que terá de envolver também os ministérios das Relações Exteriores e da Defesa. Em um mundo ameaçado por guerras, petróleo, gás e seus derivados voltam a ganhar importância estratégica. Solução fácil não há, no caso.

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