SUBSÍDIOS AO MILHO E AOS DERIVADOS DO MILHO NOS MERCADOS DOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA [EUA] E DA UNIÃO EUROPÉIA [UE]

19 Fevereiro 2004
/ Estudos de Comércio Exterior

Subsídios (ao milho e derivados) e barreiras comerciais: mecanismos e artifícios que anulam a vantagem comparativa do Brasil nos mercados norte-americano e europeu em açúcar, etanol, manitol e sorbitol

por Aluísio G. de Lima Campos

Resumo Executivo

Através de barreiras comerciais destinadas a proteger os subsídios ao milho e a seus derivados que competem com produtos brasileiros de exportação, os Estados Unidos da América (EUA) e a União Européia (UE) têm, com sucesso, anulado a vantagem comparativa das exportações brasileiras de açúcar, etanol, sorbitol e manitol para seus mercados. 

Nos EUA, subsídios governamentais são concedidos diretamente ao agricultor para a produção e a comercialização do milho. A infra-estrutura, incluindo eletricidade, combustível, transporte, comunicações, também é subsidiada. O governo, ademais, paga ao produtor para não plantar e para conservar o meio ambiente. A OCDE estimou que esses benefícios oscilaram entre 7% e 48% do valor da produção no período 1979-2001. A média anual foi de 23%. Essa estimativa não leva em conta programas estaduais, municipais ou locais, nem o programa de construção de canais e fornecimento de água, administrado pelo exército, para produtores da Costa Oeste norte-americana.

Os consumidores norte-americanos também recebem um subsídio através de preços mais baixos para o milho. A OCDE estimou que essas transferências variaram entre 11% e 24% do valor do consumo, anualmente, no período 1986-2001.

Na UE, a Política Agrícola Comum (PAC) subvenciona o produtor de milho através de pagamentos diretos, com base na área plantada; de preços mínimos, sempre mais altos que os praticados no mercado internacional; de medidas de fronteira destinadas a proteger esse preço mínimo; de incentivos monetários para não plantar ou subsídios à exportação, para controlar excedentes de produção. Outros programas incluem contribuições a fundo perdido para investimentos em propriedades rurais, para fazendeiros iniciantes, para áreas com ambientes sensíveis e para a agricultura orgânica, entre muitos. A OCDE estimou para o período 1979-2001 margens de subsídios entre 15% e 65% do valor da produção anualmente para o produtor, via recursos orçamentários da UE, e entre 2% e 56% do valor do consumo, via consumidor (em virtude da política de preços mínimos). A média anual do período foi de 42% através do orçamento comunitário e 26% provenientes do consumidor. No total, nos últimos 23 anos, o produtor europeu de milho recebeu anualmente, em média, cerca de 68% do valor da produção em subsídios.

Com o subsídio estendido por esses programas, a produção de milho nos EUA tem-se mantido alta e na UE vem crescendo significativamente, alheias às condições de oferta e demanda no mercado internacional. Na medida em que a produção de milho cresce, presumindo que as necessidades de ração não se alterem, a demanda por produtos refinados derivados do milho deve acompanhar. De outra forma, o escoamento da produção poderia interromper-se e, com isso, gerar uma série de impactos econômicos negativos. Na verdade, o produtor fica isolado desses impactos negativos através do preço mínimo, mas o orçamento agrícola poderia sofrer em conseqüência. Nessas condições, a indústria processadora ou refinadora requer o desenvolvimento de novos produtos, novos mercados e nova tecnologia para manter-se em condições economicamente viáveis.

O processo de refinação do milho gera grandes quantidades de amido, que é a base para a fabricação de etanol e adoçantes, aí incluídos o xarope de milho com alta concentração de frutose (HFCS), o manitol e o sorbitol. O etanol tem tido destaque em virtude do crescente interesse e preocupação com a segurança ambiental e o abastecimento de energia. O HFCS está sendo utilizado mundialmente como substituto para o açúcar na indústria de refrigerantes e sucos. O manitol e o sorbitol são adoçantes alcoólicos, com propriedades especiais, utilizados na fabricação de diversos produtos. O manitol é mais utilizado na indústria farmacêutica, como base para produtos mascáveis, e o sorbitol nas indústrias de cosméticos, alimentação, química e farmacêutica.

Segundo o Departamento de Agricultura dos EUA (USDA), mais de 90% do etanol produzido em solo norte-americano vem do milho. Portanto, os subsídios ao etanol aumentam a demanda de milho e, por conseguinte, conferem subsídios indiretos ao produtor de milho. Ademais, o governo norte-americano concede subsídios ao etanol, que representam subsídios diretos ao refinador, pois aumenta a demanda de etanol. Com o aumento da demanda de etanol, o refinador reduz seus estoques de amido e aumenta sua receita bruta, reduzindo assim o custo unitário de produção da refinaria.

Nos EUA, os subsídios ao etanol são substanciais. Incluem isenções fiscais, programas de desenvolvimento de produto, assistência técnica gratuita, entre outros. A subvenção principal é a isenção do imposto federal de 52 centavos de dólar por galão (2003), que representa uma redução de custo de produção da ordem de 50% para o refinador. Os estados oferecem isenções adicionais, que diferem entre si em magnitude e forma. O subsídio total alcançou 48% do valor da produção em 2002, sem incluir a proteção tarifária e os programas estaduais, o que indica um subsídio real ainda maior. Em 2002, a tarifa de importação vigente para o etanol brasileiro foi superior a 70% em termos ad valorem. 

Como no caso do etanol, os subsídios aos adoçantes de milho reduzem o custo de produção da refinaria. O programa do açúcar nos EUA, caracterizado por um preço de suporte significativamente mais alto que o preço internacional, protegido pela administração de quotas tarifárias às importações, elevou o preço interno do produto. Com isso, os adoçantes de milho tornaram-se competitivos em preço e começaram a penetrar o mercado do açúcar, principalmente o de refrigerantes. A demanda do xarope de milho de alta concentração de frutose (HFCS) cresceu 60% nos três anos subseqüentes ao aumento forçado do preço interno do açúcar. O crescimento da produção de adoçantes gerou maior receita bruta e, por conseguinte, redução dos custos de produção para os refinadores.

Os subsídios governamentais ao açúcar, portanto, são subsídios indiretos à produção de adoçantes. Segundo estimativas da OCDE, os produtores norte-americanos de açúcar recebem anualmente, em média, 50% do valor da produção em subsídios, e os refinadores, 43%. Como esses subsídios tem por objetivo aumentar o preço interno do produto, o subsídio total para o HFCS inclui a soma dessas duas margens, ou 93%. Some-se a esse montante a margem de subsídio repassada pelo milho (6% do valor da produção de milho = 7% do valor da produção de açúcar), o que resulta em um subsídio total de 100% do valor da produção de açúcar. Considerando-se que somente o preço interno nos EUA, protegido pelas quotas tarifárias, é 200% superior ao preço internacional, um subsídio total de 100% para o açúcar subestima a realidade.

Na UE, o formato é parecido. A política de intervenção de preços é o principal subsídio. De um lado, o produtor de beterraba recebe preços mais elevados que os preços internacionais, através de preços de intervenção, tarifas de importação variáveis combinadas com preços mínimos de importação e controle de excedentes (através de compras governamentais e subsídios à exportação). Do outro lado, o orçamento da UE e o consumidor europeu subsidiam o refinador por meio de subvenções ao refino e preços mais altos para o açúcar de beterraba refinado, que também é estabelecido pela política de intervenção de preços. Essa política, iniciada no fim dos anos 60, elevou os preços internos do açúcar a cerca de três vezes o preço internacional e tornou mais competitivos os preços do açúcar de beterraba e dos adoçantes de milho.

A OCDE estimou subsídios ao produtor de beterraba no período 1979-2001, cuja média anual foi de 57% do valor da produção. Estimou também os subsídios ao refinador para o mesmo período, o que resultou em média anual de 52%. Como o preço dos adoçantes beneficia-se inteiramente do preço mais alto do açúcar de beterraba e da proteção tarifária na fronteira, o subsídio total aos adoçantes europeus é de, no mínimo, 109% (= 57% + 52%) do valor da produção de açúcar.

Na medida em que os subsídios ao milho e aos adoçantes de milho resulta em aumento da demanda de milho e de seus subprodutos, a eficiência do refino aumenta, gerando economias de escala e conseqüente redução geral dos custos unitários de produção dos derivados. A mesma redução de custo através de economias de escala se observa no caso dos subsídios à beterraba e ao açúcar de beterraba. Assim, os subsídios diretos àqueles produtos são subsídios indiretos à produção de manitol e sorbitol.

Nos EUA, levando-se em consideração os ingredientes principais para a fabricação do manitol e do sorbitol (HFCS e xarope de dextrose), que são subprodutos da refinação do milho, o subsídio repassado pelo milho é de 8% do valor de sua produção para o manitol e de 5% para o sorbitol. Sendo o HFCS e a dextrose adoçantes de milho, o subsídio total inclui, além dos benefícios repassados pelo milho, as subvenções aos adoçantes.

Na UE, os subsídios não se limitam aos benefícios que são repassados pelo milho e pelos adoçantes.
A Comunidade oferece diretamente aos produtores de manitol e sorbitol restituições monetárias, calculadas por meio de fórmulas previstas nos regulamentos, que têm por base os montantes de matéria prima agrícola utilizados na fabricação daqueles produtos. Nas vendas internas, a restituição é paga pela Comissão à empresa compradora. Em termos percentuais, a restituição varia de acordo com o preço, já que o montante, previsto em lei, é fixo. Com base em preços atuais, as restituições nas vendas internas são de 14% do preço de venda. Nas exportações, a restituição é paga ao exportador europeu. Com base em preços de exportação atuais, as restituições às exportações são de 109% e 28% do valor do preço para o sorbitol e o manitol, respectivamente.

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